Em entrevista à Angop, o também director nacional da Cultura considera ter chegado a hora de se pôr fim ao amadorismo no mercado musical angolano, apelando aos criadores para olharem para o futuro de uma forma mais séria e responsável.
Autor de sucessos como "Recado num Semba", "Quem me Ama", "Falso Confidente", "Buscando Teu Corpo", "Mil Motivos", "Jeito Atrevido", "Angústia Fatal", "Livre Serás", "Parrandeira", "Tchutcha", "Regressa", "Desejo Malandro" e "Caso de Amor e Ternura", Euclides da Lomba discorre o seu pensamento sobre o estado actual da música angolana e dos projectos.
Angop: Ligado há mais de 30 anos à cultura nacional, em particular à música, que análise faz do estado actual desta arte no país?
Euclides da Lomba (EL) - Apesar de ainda trabalharmos com o sistema amador e passarmos ao Estado as grandes responsabilidades de criação de condições como equipamentos culturais e escolas de formação, estamos muito bem. Felizmente, o Governo tem correspondido com acções que promovem maior aproximação entre os criadores culturais e os cidadãos. Devemos admitir que a música é a disciplina artística que mais se divulga e mais notabilidade possui, razão pela qual temos acompanhado a realização de diversas actividades em que ela faz morada.
Há, no entanto, que registar a existência de uma grande diferença entre a capital do país (Luanda) e as demais províncias, em termos de visibilidade dos artistas e desenvolvimento cultural, factor que deve ser corrigido, pois Angola não é só Luanda. Há regiões onde não existe nenhuma manifestação artística, mas o Estado preocupou-se e lançou o projecto “A Cultura Faz-se nos Municípios”, um slogan que não tem de ser só visto do ponto de vista político, como também da responsabilização das autoridades locais que devem incluir, nos seus planos de desenvolvimento, a vertente cultural, com a construção de centros e equipamentos afins, para que a cultura esteja ao serviço das comunidades. Quem faz cultura são os próprios cidadãos, e a realização de manifestação do género nas localidades valoriza o poder criativo dos angolanos na sua essência.
A nível interpretativo, harmónico e de serviços, já estamos muito bem, mas, infelizmente, temos feito tudo fora do país, encarecendo o produto final que chega ao consumidor.
É uma pena, mas é uma constatação. O músico angolano paga para fazer cultura, pois, para produzir um disco, é obrigado a recorrer ao mercado estrangeiro e a pagar um preço muito elevado, todavia a venda do produto final não compensa.
Angop: Quanto custa fazer música em Angola?
EL - Fazer música em Angola é muito caro, principalmente para quem tem uma carreira individual.
Nenhum artista em Angola ganha dinheiro com a venda de discos, visto que se gasta mais do que se ganha em termos de dividendos finais. Paga à editora a produção, a masterização, a edição e a publicação, trabalho todo feito fora do país, e, quando traz o produto para o mercado nacional, ainda gasta em transporte e impostos.
A produção de disco acaba por ser um acto que nos leva a termos somente uma identificação e um registo do trabalho que temos desenvolvido ao longo da carreira.
Ganhamos mais com espectáculos, mas, se não estás na capital do país, não tens esta oportunidade e ficas reduzido a quase nada.
Angop: O que fazer para se mudar este quadro?
EL - Para a mudança deste cenário, o Governo deve criar políticas que valorizem o trabalho dos criadores. É uma pena que o mercado ainda esteja a funcionar com o Estado como promotor, patrocinador, competências estas que devem ser realizadas por pessoas individuais. O Executivo deve, somente, traçar políticas que orientem o trabalho e as metas a alcançar, bem como criar condições de produção para potenciar os criadores.
Em Angola, o artista ainda vive como um mendigo, pois é obrigado a pedinchar para aparecer em espectáculos, é obrigado a pedinchar para conseguir patrocínios e, mesmo assim, há alturas em que não consegue o suficiente para o processo de produção de um disco. O cenário é ainda mais negro quando se trata de espectáculos. Se não tens padrinhos na cozinha, raramente consegues promover ou aparecer num festival. E quando consegues, pagas tanto, às vezes só em sala, porém os ganhos não chegam para nada.
Noutros países, existem os patrocinadores, infelizmente em Angola não se faz sentir como devia ser. São poucos os patrocinadores que têm contribuído para o processo de produção, valorização e divulgação da música e dos músicos angolanos.
É necessário que o Estado faça funcionar a Lei dos Direitos de Autor e Conexos para o bem da classe artística nacional, a fim de se evitar que os estrangeiros se possam aproveitar do produto nacional.
A título de exemplo, temos a Kizomba, que virou moda mundial, mas nada ganhamos com ela. Já está na hora de se valorizar e de se defender os interesses dos criadores nacionais. É necessário que se classifiquem as criações, no caso concreto da música, os estilos Kizomba, Kilapanga e Kuduro como patrimónios imateriais, para não perdermos de vista o que é nosso.
Angop: E qual é o papel/lugar dos criadores/músicos nesta missão?
EL - Os artistas devem estar mais unidos, participar, activamente, no processo político do país e deixar de fingir que isso não lhes diz respeito, pois as políticas traçadas pelo Executivo beneficiam todos os cidadãos.
A história do país não deve ser contada pelas políticas aplicadas, mas, sim, pelo benefício que traz aos cidadãos.
Infelizmente, o artista angolano ainda vive da mendicidade. Se conquista hoje um patrocínio, a primeira coisa que faz é tentar comprar um carro ou uma casa sem investir na carreira. Há muitos que têm fama no mercado, mas vivem em condições deploráveis, isto porque não têm uma orientação de como rentabilizar os ganhos que obtêm com os espectáculos ou o pouco que ganham com a venda de discos.
Temos de ser profissionais e acabar com o amadorismo na gestão das carreiras artísticas.
Temos de deixar de nos preocupar somente em bater, temos de pensar e apostar seriamente na careira, mas isso exige sacrifício, formação e informação. O sucesso é feito por uma estrutura de pessoas que têm acesso à publicidade na comunicação social e fazem de uma pessoa que, às vezes, é insignificante numa estrela e depois esta não aguenta sustentar a carreira.