Nesta época do ano, ir à praia é das actividades de lazer predilectas dos luandenses, sobretudo aos fins-de-semana, devido às altas temperaturas que se fazem sentir. Por estar mais perto da cidade, a Ilha do Cabo é o mais procurado, como se pode constatar pela afluência de banhistas. Mas a maioria deles ignora por completo a sinalização existente nas praias, correndo riscos desnecessários.
É o que acontece na praia do lado da baía, entre as antigas barracas de comes e bebes e a ponta da Ilha. Por se tratar de uma zona que apresenta fundões e se verificar a presença de lodo no fundo, está interdita ao banho. Mas os banhistas fingem não ver as placas. Foi ocaso de João Pedro, 40 anos, que se encontrava na companhia dos filhos.
Para ele, os sinais de proibição estão muito longe da água e já ali foram postos há muito tempo e sem grande necessidade, porque do outro lado da costa as ondas são mais bravas e qualquer pessoa pode afogar-se com facilidade.
Contrariando a decisão das autoridades, João Pedro diz que onde foram colocados os sinais de proibição as ondas não constituem ameaça e acredita que o local é mais seguro para as crianças brincarem. "Eu sei nadar, os meus filhos tomam banho à beira da água e estou aqui para qualquer situação", disse.
"Ouvi dizer que muita gente já morreu aqui, mas é como tudo, uns morrem na praia e outros nas estradas, alguns nos hospitais. Quando chega a nossa vez, não importa onde estamos. E, se esta zona fosse mesmo tão perigosa, as autoridades interditavam com redes para ninguém se aproximar da água e metiam fiscais para melhor controlo", acrescentou.
Da mesma opinião é Nila Gonçalves, que diz ter conhecimento de que em boa parte da Ilha é proibido tomar banho, mas é a sua praia preferida por ser calma, com pouca frequência de banhistas.
"Do outro lado, embora não haja sinais de proibição, as ondas são muito agitadas e a minha filha é muito traquina, então prefiro arriscar aqui na zona proibida e ficar à beira com ela, porque também não sei nadar", realçou.
Porem, Géneses Vaz era outro banhista a desrespeitar a sinalização. "É a primeira vez que venho aqui. Vi os sinais e fiquei com medo, mas ao ver outras pessoas a banharem-se também mergulhei. Tentei ficar do outro lado, mas as ondas são muito grandes e acho até que é mais perigoso do que aqui", frisou.
Além da zona do Farol Velho, na Ilha de Luanda, estão também interditas ao banho a zona da foz do Rio Bengo, a chamada "Boca do Rio", no município de Cacuaco, onde se registam muitos afogamentos, uma parte da praia do Morro dos Veados, no Benfica, e do Sarico, no Panguila, município do Dande, província do Bengo, também muito frequentada por banhistas da capital.
O porta-voz dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros, Faustino Sebastião, disse que as principais vítimas de afogamento nas praias são jovens do sexo masculino. "Do levantamento feito, concluímos que a falta de cumprimento de algumas regras está na base de muitos afogamentos em Luanda".
Já na praia Boca do rio, perto da barra do Rio Bengo, no Cacuaco, havia em tempos, em local de ténue sustentação, uma lanchonete com um nome inusitado: "Bebe se atira". Em linguagem padrão quer dizer "bebe e atira-te" à água. O sítio não era senão uma referência tragicómica ao número de mortes por afogamento que ali acontecem, porque as pessoas, depois de darem ao garfo e ao copo, resolvem fazer-se ao mar.
Com as correntes fortes e os redemoinhos que se formam na foz, quando as águas do rio se juntam às do mar, com sedimentos que as tornam turvas e algas do rio que as transformam em verdadeiras armadilhas para os nadadores, a morte espreita. A lanchonete "Bebe se atira" original desapareceu, levada pela erosão durante uma dessas enxurradas dos últimos tempos, mas não só teve direito a uma réplica, em local onde se supõe haver mais segurança, como a uma tréplica, até porque continua a haver quem beba e se atire.
Os fins-de-semana constituem a eleição nos gráficos das tragédias. Mas talvez isso seja porque nesses dias há mais gente e as notícias correm céleres. Durante a semana, a vigilância é menor e os pescadores no local falam de casais que, levados pela paixão, acabam por seguir os passos de Romeu e Julieta. O maior número de afogamentos acontece por incúria dos banhistas, ora porque, desconhecendo os perigos, agem às cegas, ora porque combinam comes e bebes com mergulhos e, ou acabam por sofrer uma congestão, ou acabam vítimas de um cocktail mortal, que mistura o álcool com a correnteza das águas.
Simão Cipriano é nadador-salvador há oito anos e durante esse tempo já salvou muitas vidas no mar. De todos esses casos, o que mais o marcou envolveu uma jovem de 20 anos, na praia junto ao Jango Veleiro. "Quando cheguei ao local, ela já tinha bebido muita água e, se demorasse mais um pouco, morria, mas felizmente fui rápido, prestei-lhe os primeiros socorros e ela sobreviveu", recordou.
Nessa praia, Cipriano já salvou sete pessoas. O experiente nadador-salvador disse que a profissão exige muito sacrifício e coragem, mas tem o seu lado bom. "É muito compensador salvar vidas humanas", afirmou.
Iracelma Amaral tem 22 anos e está há um na corporação. Por ser atleta de natação, ganhou o gosto pelo serviço de bombeiros muito cedo. "Só este ano, já salvei quatro vidas nas praias onde fazemos rondas e orgulho-me muito disso", salientou.
O desleixo de muitos frequentadores das praias choca a nadadora-salvadora. "Muitos banhistas não acatam os nossos conselhos, mas a vida é um bem supremo e sempre que há um afogamento, ainda que por negligência, temos de fazer tudo para salvar", disse.
Para o comandante do quartel do SNPCB na Chicala, José Francisco Contreiras, disse que o Comando possui 125 homens subdivididos em três vertentes: prevenção e extensão de incêndios, salva-vidas e bombeiros mergulhadores.
A província de Luanda possui cerca de cem salva-vidas efectivos, mas "este número não é suficiente, tendo em conta a extensão de praias que a capital possui. Por isso, estão a ser formados mais cem salva-vidas voluntários, que vão auxiliar os profissionais nas suas actividades e, deste número, 15 são mulheres", adiantou.
Interrogado sobre a ausência de salva-vidas na zona proibida da Ilha do Cabo, explicou que a prevenção e protecção dos bombeiros é feita na contra-costa e nas praias abertas ao banho.
"Na baía, apenas pomos placas de proibição. Infelizmente, os banhistas insistem em usar a zona do Farol Velho e retiraram as placas. E é justamente aí onde se afogam mais pessoas", disse o comandante José Francisco Contreiras.
Fonte: J.A