O Egipto afundou numa crise nesta segunda-feira após um influente grupo de juízes se negar a supervisionar o referendo sobre o projeto de Constituição previsto para 15 de dezembro, num contexto de tensão crescente entre o presidente Mohamed Mursi e o Poder Judiciário.
Diversos jornais egípcios publicaram na segunda-feira em primeira página o desenho de um jornal algemado dentre de uma célula de votação, com a legenda: "Uma Constituição que revoga direitos e algema a liberdade. Não à ditadura".
Os jornais, como o Al-Watan e o Al Masry Al-Youm, fazem parte dos 11 jornais que não terão tiragem nesta terça-feira para protestar contra a falta de garantias de liberdade de imprensa no texto que divide o país e deve ser submetido a um referendo.
Vários partidos e grupos de oposição que denunciam o projeto de Lei fundamental e os maiores poderes que Mursi atribui a si mesmo também convocaram nova manifestação para terça-feira, em frente ao palácio presidencial.
Domingo à noite, o Clube de Juízes do Egipto, que já havia pedido aos tribunais que parassem de trabalhar até que Mursi renunciasse aos seus novos poderes, anunciou que o magistrado, do qual a maioria dos juízes foi nomeada por Hosni Mubarak, não supervisionaria o referendo.
"Todos os juízes do Egipto entraram em acordo para não supervisionar o referendo sobre o projeto de Constituição e para boicotá-lo", afirmou o presidente do Clube de juízes, Ahmed al-Zind. É dever do poder judiciário assegurar a vigilância de referendos e de proclamar um resultado no país.
Algumas horas mais cedo, o Alto tribunal constitucional se juntou ao tribunal de cassação e outros tribunais do país numa greve ilimitada para denunciar "pressões" vindas do campo do presidente islamita.
De fato, islamitas cercaram a sede do Alto tribunal no domingo, quando esse examinava a validade da comissão constituinte apesar de um decreto presidencial anulando este tipo de recurso.
14.000 juízes
O Poder Judiciário está envolvido num teste de força com Mursi desde a decisão do presidente em 22 de novembro de proibir qualquer recurso na justiça contra as decisões e contra a comissão constituinte, boicotada pela oposição de esquerda e também pelas igrejas católicas.
Após meses de bloqueio, esta comissão adotou com pressa na semana passada um projeto de Constituição criticado por não proteger alguns direitos fundamentais, como a liberdade de expressão ou de religião, e de abrir o caminho para que seja aplicada de maneira mais dura a lei islâmica.
A crise provoca há 10 dias uma forte mobilização nas ruas. No sábado, centenas de milhares de islamitas manifestaram seu apoio a Morsi, no dia seguinte ao protesto da oposição contra os novos poderes atribuídos ao presidente e contra o projeto de Constituição.
Mursi, que diversas vezes assegurou que seus novos poderes seriam revogados quando aprovada a nova Constituição, convidou no sábado todos os egípcios a pronunciarem suas opiniões sobre o novo texto no referendo em 15 de novembro.
Domingo a tarde, um dirigente islamita que participou da elaboração do texto estimou que a oposição dos juízes não impediria o desenvolvimento do referendo.
"Tenho certeza que no fim, os juízes vão supervisionar o referendo. Temos 14.000 juízes. Ninguém falou que os 14.000 dividem da mesma opinião", declarou Amr Darrag, um responsável do Partido da liberdade e da justiça (PLJ), grupo político da Irmandade Muçulmana, do qual faz parte Mursi.
O vice-presidente Mahmud Mekki, ele mesmo um respeitado juiz, insistiu no caráter provisório dos novos poderes de Mursi em entrevista à televisão, e assegurou que o presidente não pretende cometer abusos.
No domingo, Darrag havia dito que o decreto de 22 de novembro era necessário pelo carácter "altamente politizado" da corte constitucional, que provocou em junho a dissolução da assembleia de maioria islamita e que se preparava, de acordo com ele, para fazer a mesma coisa com a comissão constituinte e com a Câmara do Parlamento.