Neste primeiro número de “Global Conversation”, uma emissão com um formato inédito, temos dois convidados excecionais: François Hollande, presidente francês, e Mario Monti, chefe do governo italiano, dois grandes líderes europeus reunidos num momento crucial para a Europa e os europeus. Vão analisar connosco a sua visão sobre esta Europa em crise e sobre as movimentações que abalam o mundo.
Comecemos por falar da Europa. No passado dia 22 de novembro, a cimeira europeia terminou num fracasso. Não houve acordo sobre o próximo orçamento, devido a grandes divisões entre os países que querem aumentá-lo e os que pretendem reduzi-lo.
A questão que se coloca é: num momento de crise, em que todos os governos nacionais estão a fazer cortes nos orçamentos, como explicar aos cidadãos europeus que a União Europeia não vai seguir o mesmo caminho?
Mario Monti, presidente do conselho italiano:
Antes de mais, é preciso recordar que o orçamento da União Europeia é de cerca de um por cento do Produto Interno Bruto da própria União. Esta é uma quantia relevante, em absoluto, mas minúscula em termos percentuais.
Naturalmente, em época de economias e de poupanças, como esta, é normal que cada euro gasto a nível comunitário seja sujeito a um grande controlo, para garantir que é usado com eficiência e eficácia.
Todos devemos fazer economias, incluindo a União Europeia. E é fácil perceber que certas despesas, feitas ao nível europeu, permitem uma real poupança em comparação com uma eventual fragmentação, dessa mesma despesa, ao nível nacional.
Isto é verdade em termos de grandes investimentos transfronteiriços. Pensamos, por exemplo, em projetos de defesa comum, um campo no qual, evidentemente, é muito mais caro ter políticas de armamento fracionadas e não harmonizadas. Mas isto é válido em muitos outros domínios.
Portanto, a Itália não é, por princípio, contra um aumento da despesa no orçamento comunitário – desde que se prove que é um aumento útil e que resulta, eventualmente, em poupanças.
François Hollande, presidente francês:
Como disse o primeiro-ministro Mario Monti, as despesas da Europa correspondem a um por cento da riqueza da Europa.
Será que consideramos que é demasiado? Não. Penso que não. Penso que é um bom nível para preparar o futuro, porque a Europa é um investimento para o crescimento, para o futuro.
Será que devíamos gastar menos? Já estamos a fazer esforços em cada um dos Estados membros. Se, no plano europeu, também tivermos uma disciplina excessiva, isso será prejudicial à ambição, que tenho, de criar mais crescimento na Europa.
Não é a primeira vez que a Europa tem de reunir-se duas ou três vezes para alcançar um acordo sobre o orçamento. Estou convencido que os países da coesão, aqueles que entraram há pouco tempo na Europa, vão desejar o melhor orçamento possível para a União. Tal como nós. E aqueles que falam em abatimentos e devoluções, não deviam ver a Europa como uma caixa registadora na qual se vêm depositar fundos e depois retirá-los.
A Europa é a solidariedade com vista a uma política de crescimento que seja benéfica para todos. Nós temos, tal como, amiúde, a Itália, a mesma visão para alcançar este equilíbrio.
O que quero sublinhar é que, para lá deste orçamento – que, não tenho qualquer dúvida, será aprovado durante 2013 -, este ano de 2012 permitiu fazer avançar a Europa. Vemos hoje os resultados na Grécia, porque encontrámos uma solução, mas também nas taxas de juro, e na confiança que voltou aos mercados.
Isso deve-se às políticas que foram conduzidas e às ações desenvolvidas pelo Mario Monti, pela Angela Merkel, por mim e por muitos outros para alcançar um compromisso.
Sophie Desjardin, jornalista da euronews:
Já que fala dos países que pedem reembolsos no orçamento, David Cameron declarou, na última cimeira, que havia despesas que não eram possíveis, neste momento, e pede 200 mil milhões – penso – de economias no orçamento. O que pensa?
François Hollande:
Ele não exige tanto, mas já pede bastante. Ele está sempre atento – e é preciso estar atento – às despesas administrativas. Mas, ao mesmo tempo, há instituições que existem, na Europa, e temos de preservá-las. Penso, concretamente, na sede do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Temos, nos Tratados, um certo número de locais institucionais europeus e é muito fácil fazer economias nas coisas que não nos tocam diretamente.
O presidente da Comissão Europeia deu um belo exemplo, na última cimeira, ao explicar que a maioria das despesas feitas em termos de ensino superior beneficia o Reino Unido. Não é por isso que vou pedir cortes no orçamento do ensino superior ou da ciência, na Europa.
Claudio Rosmino, jornalista da euronews:
O dia 14 de novembro ficou marcado por uma greve geral na Europa. Os trabalhadores vieram às ruas protestar contra as medidas de austeridade. A situação está a tornar-se dramática, em certos países, como a Grécia, a Espanha, Portugal e mesmo Itália. Tendo em conta o custo social, a cura não será pior do que a doença?
Mario Monti:
Antes de mais, é preciso termos em conta a causa dessa doença, a causa de tanto desemprego e, sobretudo, a causa de tanto desemprego juvenil.
A resposta não está tanto na disciplina que é imposta, hoje, aos orçamentos de cada país para que possamos participar em conjunto na zona euro. A causa é, sobretudo, a total falta desta disciplina num passado um pouco mais longínquo.
Veja-se o caso da Itália, durante vários anos, antes de o vínculo da moeda única obrigar a um maior rigor, os governos italianos, independentemente da cor política, permitiram défices públicos de oito, dez, 12 por cento ao ano.
E isto nem sequer era alvo de debate, passava sem que lhe fosse prestada qualquer atenção.
Mas já se podia ver, nessa altura, que isto era uma forma de satisfazer toda a gente, criando um consenso imediato, mas prejudicando uma categoria: as gerações futuras, as crianças, sem idade para terem direito de voto ou que nem sequer tinham nascido.
O problema que temos hoje, de desemprego juvenil, não se deve à “maldade” de Bruxelas, a uma Europa antissocial. Deve-se, antes de mais, aos excessos da classe política italiana e de muitos outros países. Acredito, que, no passado, procuraram o consenso imediato, pensando, de cada vez, nas próximas eleições e não, como deve fazer um homem de Estado, nas próximas gerações.
A Europeia interveio e introduziu uma cultura de estabilidade. Isto tem, num período transitório, um impacto recessivo. Para mim, a solução não passa por contornar a disciplina orçamental mas sim por enriquecer o arsenal de política económica da Europa – como o presidente Hollande pediu, várias vezes, vigorosamente, e como eu próprio pedi, e como estamos agora a obter. Enriquecer os instrumentos de política económica europeia com intervenções ao nível do investimento, do crescimento e do desenvolvimento. E também contra o desemprego dos jovens.
Assim, será possível, entre outras coisas, reconciliar a opinião pública e a opinião pública juvenil com a Europa, para que esta última deixe de ser vista como uma criatura cruel que não tem em conta os aspetos humanos e sociais. A Europa é exatamente o contrário. Vejo-a como um instrumento que coloca disciplina nas políticas de hoje, para que não abusemos do futuro.
François Hollande:
Houve, nestes últimos anos, situações de desgoverno das finanças públicas, nefastas num certo número de países, e era necessário pôr ordem nessa situação. Falo também da França; caso contrário, seremos vítimas da especulação sobre a dívida.
A disciplina é, pois, necessária, mas não é suficiente.
É preciso que os países, que têm as contas públicas equilibradas e uma competitividade elevada, suportem a procura interna. Isso significa coordenação e solidariedade, para que os países que precisam de fazer esforços possam ter uma procura externa.
Depois temos a Europa. A Europa não é apenas a casa da correção, um local de disciplina onde se chicoteiam aqueles que se portam mal. É também um local, um espaço de solidariedade e de crescimento. E voltamos, pois, à questão do orçamento europeu. E ao pacto de crescimento que eu apresentei.
Temos todos de fazer um esforço de coordenação, de solidariedade e de apoio. E depois há o que cada país deve fazer. Eu quero que o meu país, a França, possa, simultaneamente, ter uma boa gestão das finanças públicas e uma elevada competitividade, mais elevada do que a que tem hoje, e, por último, crescimento e emprego para os jovens.
É por isso que coloquei a juventude no centro dos compromissos do meu mandato e faço um esforço considerável, apesar de todos os constrangimentos orçamentais, na educação, na formação e no emprego para os jovens – que dificilmente acedem ao mercado de trabalho.
E seria uma bela política europeia, colocar este objetivo no centro das suas opções para os próximos anos.
Sophie Desjardin:
Segundo a Euronews, na semana passada, a Grécia recebeu uma nova tranche de ajuda. Detalhes técnicos à parte, a meta é reduzir a dívida para 124% do PIB até 2020 – 124% é um enorme desafio e 2020 é dentro de oito anos. O que significa oito anos de sacrifícios. Os gregos vão conseguir suportá-los?