Milhares de místicos, hippies e pessoas com inquietações espirituais devem comparecer na sexta-feira às ruínas das cidades maias para celebrar um novo ciclo do calendário maia, ignorando os temores de quem acha que o mundo vá acabar por causa disso.
Dançarinos indígenas mexicanos com roupas coloridas gritaram para evocar um deus-serpente perto das ruínas de Chichén Itzá, na noite de quinta-feira, enquanto estrangeiros meditativos ansiavam pelo início de uma "era dourada" para a humanidade.
"Vejo isso como uma troca de energia, a troca de uma guarda, a troca de consciência universal", disse o jardineiro norte-americano Serg Miejylo, de 29 anos, calçando sandálias, fumando um cigarro enrolado à mão e ostentando "dreadlocks" loiros.
Mas embora as pessoas tenham vindo aqui para celebrar, o final do 13º "bak'tun" -um período de cerca de 400 anos- no Calendário Longo dos Maias, que abrange 5.125 anos, gerou temores apocalípticos em grupos do mundo todo.
Um acadêmico norte-americano disse na década de 1960 que a data desta sexta-feira poderia representar uma espécie de "armagedom" para a civilização pré-colombiana. Desde então, essa ideia se ampliou até se transformar na crença de que os maias haviam previsto a destruição da Terra.
Temores de suicídios coletivos, meteoritos, grandes apagões, desastres naturais, epidemias e do impacto de um asteróide sobre a Terra circularam pela internet nos últimos meses.
A polícia chinesa prendeu nesta semana cerca de mil pessoas por espalharem boatos sobre a data, e autoridades da Argentina restringiram o acesso a uma montanha muito frequentada por buscadores de alienígenas, após rumores de que havia planos para um suicídio coletivo ali.
No Texas, o magnata dos videogames Richard Garriott de Cayeux decidiu dar a maior festa da sua vida logo depois da meia-noite, por via das dúvidas.
Mas especialistas na cultura maia, cientistas e até a Nasa insistem que os maias não previram o fim do mundo, e que não há nada com que se preocupar.
"Pense nisso como o ano 2000", disse James Fitzsimmons, especialista em cultura maia na faculdade Middlebury, em Vermont. "É o final de um ciclo e o começo de outro."
Novo alvorecer?
Os maias modernos ficaram intrigados com o desfile de exóticos tipos "new age" que apareceram nesta semana em suas aldeias.
"É puro Hollywood", disse Luis Mis Rodriguez, 45 anos, que vende suvenires para turistas -estatuetas de obsidiana e punhais iguais aos usados pelos seus antepassados em sacrifícios humanos.
Em Chichén Itzá, por baixo de um labirinto de pilares cinzas e brancos, cerca de 40 turistas se sentavam em círculo na quinta-feira, meditando silenciosamente.
A certa altura, uma mulher de camisa rosa disse que "a era dourada é realmente dourada", e pediu ao grupo que encontrasse uma forma de luz que os levasse a outra dimensão. A meditação foi então retomada.
Momentos antes, dançarinos indígenas com trajes típicos fizeram uma dança ao som de tambores e maracas, ao pé do templo em homenagem ao deus-serpente Kukulkan, ponto focal das celebrações de sexta-feira.
"Pedimos a todos os irmãos da Terra que Kukulkan domine os corações do mundo inteiro", disse um dos dançarinos, erguendo os braços para o céu.
A civilização maia atingiu seu auge entre os anos 250 e 900, quando dominava amplas áreas do atual sul do México, Guatemala, Belize e Honduras. Eles desenvolveram uma escrita hieroglífica, um avançado sistema astronômico e um calendário sofisticado.
Previsões apocalípticas
Há uma longa tradição histórica de previsões sobre o fim do mundo.
Baseando-se em leituras proféticas da Bíblia, o grande cientista Isaac Newton citou certa vez 2060 como o ano em que o planeta seria destruído.
No século 19, o pregador norte-americano William Miller previu que Jesus voltaria à Terra em outubro de 1844 para purgar a humanidade dos seus pecados. Quando isso não ocorreu, seus seguidores, os milleritas, se referiram ao fato como "A Grande Frustração".
Em 1997, 39 integrantes da seita Portão do Paraíso, acreditando que o mundo estava prestes a ser reciclado, cometeram suicídio em San Diego para embarcar em uma nave alienígena que estaria viajando atrás de um cometa.
Mais recentemente, o radialista norte-americano Harold Camping previu que o mundo acabaria em 21 de maio de 2011, e posteriormente adiou a data em cinco meses.
Ideias como essa passavam longe das cabeças dos peregrinos em trajes berrantes que buscavam alívio espiritual na sexta-feira em Chichén Itzá.
"O que eu espero é que eu deixe ir embora todo o velho sistema de crenças e todo o passado, e simplesmente entre em uma nova realidade que seja ainda melhor", disse a francesa Flow Lesur, 48 anos, que vive na Califórnia, onde ensina ioga subaquática.
Faun Rose, 78 anos, do Colorado, pensava em outro tipo de contentamento interior para marcar a chegada da nova era. "Com um jantar com um bifão e lagosta, e aí viajar de volta no sábado."
Reuters