A França considera que trava no Mali uma guerra contra o terrorismo, expressão que evita designar com precisão um inimigo vago, composto por grupos de interesses diversos, e manter alguma incerteza a respeito do futuro de um país à beira do abismo, segundo especialistas da região do Sahel (sul do Saara).
"A França só tem como objetivo a luta contra o terrorismo", afirmou no sábado o presidente francês François Hollande. "A França está em guerra contra o terrorismo", insistiu no dia seguinte o ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, enquanto o chanceler Laurent Fabius afirmava: "Quando vemos terroristas invadindo Bamaco, não levantamos questões metafísicas".
Mas os grupos armados que ocupam desde meados de 2012 o norte do Mali e desencadearam na semana passada uma ofensiva em direção ao sul do país, provocando a intervenção francesa, estão longe de ser homogêneos e de ter os mesmos objetivos, lembram os analistas.
"Há jihadistas militantes, tuaregues separatistas que lutam desde o fim dos anos 70 contra o Estado central, traficantes de drogas e de armas, muitos jovens que não têm perspectivas de emprego, grupos que questionam os caciquismos tradicionais malineses....", enumera Jean-Yves Moisseron, do Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD), da França.
"Nesse aglomerado, nem todos são necessariamente terroristas, e sua fantasia não é necessariamente instaurar a sharia (lei islâmica) no Mali. Eles têm diversos interesses", acrescenta.
Que pontos em comum, que estratégia compartilhada existe entre a AQMI (Al-Qaeda no Magreb Islâmico), uma das filiais mais poderosas da nebulosa Al-Qaeda, a Ansar Dine, movimento essencialmente composto por tuaregues, e o Mujao (Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental), grupo pouco conhecido dissidente do AQMI?
"A intervenção francesa pode uni-los. Mas, inclusive, dentro desses grupos, as alianças são frágeis. Tudo isso é muito movediço e constitui um inimigo sumamente difícil de avaliar", assinala Moisseron.
Estratégia de longo prazo
Para o tunisiano Allaya Allani, especialista em movimentos islamitas do Magreg, os jihadistas da Al-Qaeda pretendem, antes de mais nada, criar uma zona de tensão permanente no Sahel. O outro grande grupo, o Ansar Dine, tem dentro de si rivalidades pessoais e tribais muito complexas.
"O Ansar Dine tem uma facção moderada e uma ala radical representada por Iyad ag Ghaly", analisa Pierre Boilley, especialista do movimento tuaregue.
Em relação ao Mujao, movimento ficou conhecido em dezembro de 2011, principalmente por sua estratégia de fazer reféns.
Desde o começo da crise malinense, diplomatas e militares ocidentais reconheceram seu conhecimento insuficiente a respeito desses grupos e sobre o que realmente acontece no norte do Mali sob seu controle.
Sabe-se com alguma precisão de que armas dispõem, em sua maioria herdadas da guerra da Líbia, mas o número de combatentes continua sendo uma incógnita. Os números geralmente indicados dão conta de entre 5.000 e 6.000 combatentes no total, incluindo aliados e elementos recrutados recentemente.
O outro grande problema da guerra no Mali é a imprecisão acerca dos objetivos e da estratégia de longo prazo. O governo malinense - cuja legitimidade é frágil, já que não houve eleições desde o golpe de Estado de março de 2012 - "não tem visão global do futuro do país", considera Allani, assinalando que não se sabe a sua posição sobre as reivindicações autonomistas dos tuaregues ou sobre a possibilidade de um modelo federal.
"O que vai acontecer depois da guerra?, essa é a questão fundamental. É totalmente necessário um 'mapa do caminho' para a promoção econômica e social do norte do país", acrescenta o especialista.
As três resoluções da ONU sobre Mali, adotadas nos últimos seis meses, insistem na necessidade de restaurar a integridade territorial do país, de iniciar um diálogo entre o norte e o sul, e conceder um amplo espaço ao desenvolvimento de um dos países mais pobres do mundo.
"Mas será difícil iniciar um processo político enquanto houver uma guerra no território", conclui uma fonte ocidental.
AFP