O nome de Mokhtar Belmokhtar saltou para a ribalta com a tomada do campo de extracção de gás de In Amenas, no Sudeste da Argélia, mas há muito que está na mira do Governo de Argel e dos serviços secretos ocidentais. Foi guerrilheiro no Afeganistão, combatente na sangrenta guerra civil argelina e um dos mais temidos comandantes da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI). Implantado no Sara, deserto que não respeita fronteiras, ganhou fama tanto no contrabando como no sequestro de ocidentais.
Belmokhtar, conhecido entre os seus homens pelo nome de guerra Khaled Abul Abbas, é como a maioria dos seus correligionários um homem esquivo, com uma fama que, por vontade própria ou contra-informação das autoridades, parece sobrepor-se aos factos. O seu rosto só se tornou conhecido depois de em Dezembro ter surgido num vídeo em que, amparado numa Kalachnikov, anunciava a cisão com a AQMI e a criação de um grupo autónomo.
O afastamento de Belmokhtar é atribuído pelos observadores na região a rivalidades com outros comandantes daquele que é hoje o mais activo (e bem financiado) ramo da organização terrorista. Em Outubro, o líder da AQMI, Abdelmalek Droukdel, demitira-o de funções, denunciando a sua acção “fraccionária”, numa alusão ao seu envolvimento nos tráficos, do tabaco à venda de armas, que proliferam no deserto – no Sara muitos conhecem-no como Mr Malboro, devido ao controlo que assumiu sobre o lucrativo contrabando de cigarros.
Ainda antes da anunciada cisão, Belmokhtar tinha já iniciado uma aproximação aos radicais islamistas que desde Março de 2012 controlam a metade Norte do Mali. Em Abril, foi avistado em Tombuctu, cidade património da humanidade, ao lado de Iyad Ghaly, o líder dos tuaregues islamistas do Ansar Dine. Em Junho, um jornalista da revista Jeune Afrique cruzou-se com ele em Gao, cidade no Nordeste do Mali que é bastião do Movimento para a Unicidade e a Jihad na África Ocidental (Mujao), com ligações próximas ao AQMI.
Terá sido dali, suspeitam as autoridades argelinas, que terá comandado a operação contra In Amenas, ainda que os bombardeamentos franceses tenham tornado a região menos segura. Certo é que o seu grupo exigiu o fim da intervenção francesa no Mali como condição para a libertação dos reféns estrangeiros e justificou a escolha do alvo com a autorização dada por Argel para que os aviões militares franceses sobrevoassem o seu território.
Treino afegão
A acção fora de fronteiras é algo que Belmokhtar, nascido em 1972, em Ghardaia, 600 quilómetros a Sul de Argel, conheceu bem cedo. Ainda antes de completar 20 anos partiu para o Afeganistão, alegadamente inspirado nas prédicas de Abdullah Azzam, teólogo jordano-palestiniano que foi mentor de Osama bin Laden.
O jovem argelino não chegou já a tempo de combater as tropas soviéticas, que se tinham retirado em 1989, mas juntou-se aos mujahedin na luta contra o Governo de Cabul. Foi nos campos de treino afegãos que conheceu os que viriam, anos mais tarde, a fundar a Al-Qaeda – segundo a Reuters, deu a um dos seus filhos o nome de Osama bin Laden. Um estilhaço de obus cegou-o de um olho – incidente que lhe valeu a alcunha de Zarolho. Quando regressou à Argélia, no início da guerra civil, em 1993, era já um combatente experimentado.
Juntou-se às fileiras do Grupo Islâmico Armado (GIA), a mais sangrenta das facções armadas islamistas, liderando uma brigada que ganha reputação em vários ataques, incluindo contra interesses franceses no país. Em 1998 está entre os fundadores do Grupo Salafista para a Prédica e Combate, uma dissidência do GIA que em 2007, depois de novas cisões, anuncia a sua filiação na rede liderada por Bin Laden, assumindo a denominação de Al-Qaeda no Magrebe Islâmico.
A vastidão do Sara é o terreno fértil para a AQMI e Belmokhtar torna-se o homem forte na região: estabelece laços com as tribos tuaregues, domina as rotas do tráfico e transforma o sequestro de ocidentais numa lucrativa fonte de rendimento. Fontes citadas pela AFP atribuem-lhe o assassínio de quatro franceses na Mauritânia em 2007 (o episódio que levaria ao fim do rali Dakar no continente africano), o sequestro de dois canadianos em 2008, três espanhóis e dois italianos, no ano seguinte. Alguns dos crimes que levaram a justiça a condená-lo, por duas vezes e sempre à revelia, à pena capital.