Choques eléctricos, agressões nos genitais, espancamento com cabos eléctricos, suspensão pelos pés ou pelos pulsos – mais de metade dos presos nas cadeias afegãs foram torturados no ano passado, denuncia um relatório das Nações Unidas (ONU).
O documento, de 123 páginas redigidas a partir de entrevistas a 635 presos (105 deles com menos de 18 anos), diz que a tortura se generalizou mas que é na região de Kandahar (a antiga praça forte dos taliban e que ainda é refúgio de grupos de rebeldes) que o problema é mais grave.
Diz o documento, citado pelo jornal britânico The Guardian, que mais de metade das pessoas detidas por envolvimento no conflito que ocorre naquele país – há grupos que combatem o Governo – foram submetidos a tortura e a maus tratos entre Outubro de 2011 e Outubro de 2012. São descritas 14 formas diferentes de tortura e é revelada a existência de prisões secretas sob a tutela dos serviços secretos.
A sul da cidade de Kandahar, diz o relatório que é o resultado de uma investigação do departamento de direitos humanos da ONU no Afeganistão, a tortura está “enraízada”. Foram registados, no período em investigaçção, dezenas de “desaparecimentos” de rebeldes sob a tutela das forças de segurança.
Há 20 páginas com a resposta das autoridades afegãs a estas acusações. O Governo do Presidente Amid Karzai admite que possa ter existido, ocasionalmente, tortura mas considera-a um “erro” do sistema. E nega “caso graves de tratamento desumano” aos presos, rejeitando a tortura sistemática dos detidos, dado que classifica de “exagerado”. O Directório Nacional de Segurança afegão também responde que não existem prisões secretas.
O gabinete de direitos humanos da ONU diz que a prática de tortura só acabará com uma renovação na cúpula decisora (dos ministérios aos responsáveis policiais e militares). “O tema tortura não pode ser soluciinado apenas com treino [dos responsáveis], com inspecções e com directivas, exige que se apurem responsabilidades e se adoptem medidas que impeçam a sua prática. Sem serem travados… os funcionários afegãos não têm incentivos para deixarem de torturar”, disse, citada pelo Guardian, Georgette Gagnon, da ONU.
A polícia e os miliatres afegãos estão a ser apoiados, sobretudo a nível de treino e de financiamento, por países europeis da NATO que participaram na guerra contra os Taliban. Pelo que este relatório poderá ter implicações nesta cooperação. O documento diz que a lei que permite deter suspeitos de terrorismo ou associação terrorista durante 72 horas agrava o problema uma vez que as autoridades locais recorrem à tortura e aos maus tratos como método de obter confissões ou denuncias.
O documento menciona que 51 testemunhos foram ignorados por não se ter provado a sua veracidade; sobre as restantes acusações, a ONU diz ter “provas sólidas”. O relatório nota ainda que a intensidade dos maus tratos aos prisioneiros varia de prisão para prisão, mas conclui que a tortura foi constante em 34 prisões (sete da polícia) no período de tempo analisado e que foi transversal aos presos dos diversos grupos de rebeldes. A equipa da ONU visitou 89 prisões e centros de detenção e não teve autorização para entrar noutros, sob a tutela dos serviços secretos.
Um relatório anterior, de 2011 concluiu que 25 taliban entregues às autoridades afegãs pelas forças da NATO estavam a ser submetidos a tortura. Nessa altura, a transferência de prisioneiros foi temporariamente suspensa e a Isaf (Força Internacional de Assistência à Segurança) monitorizou, durante algum tempo, a forma como os presos eram tratados. O novo relatório diz que o abrandamento da tortura e dos maus tratos foi “temporária”. “O uso da tortura foi retomado na maiore parte dos estabelecimentos depois de a Isaf ter retomado a transferência de prisioneiros e de reduzido a monitorização”, diz o documento. Concluiu que em relação ao ano anterior (2010) a prática de tortura desceu 12% nas prisões que puderam ser visitadas sem restrições. Porém, considera que nas prisões secretas a tortura aumentou 8%.