Chega ao fim em Dezembro o prazo de sete anos dado a países como o Reino Unido para aplicarem restrições à entrada a trabalhadores da Bulgária e da Roménia – os dois últimos Estados a aderirem à União Europeia (UE) em Janeiro de 2007. Se o tratado assinado com Bucareste e Sófia não for rasgado, o acesso ao mercado de trabalho passa a ser livre a partir de Janeiro de 2014. E não são muitas as opções ao dispor de um Governo Tory que está sob pressão da ala mais à direita do partido mas também de algumas figuras do Labour para impedir a entrada de imigrantes destes dois países.
Mas há uma, muito falada nos últimos dias: consistiria em afastar os imigrantes da Bulgária e da Roménia numa lógica exactamente inversa à de aproximar os investidores. Para tal, cartazes seriam espalhados nas ruas de ambos os países com uma mensagem: "não venham, o Reino Unido não é, como se pensa, um bom destino para viver e trabalhar".
O importante, chegou a dizer um ministro britânico, referido mas não citado na imprensa do fim-de-semana, é “corrigir a impressão de que as ruas aqui são ladrilhadas de ouro”. E a ideia é dizer que “aqui” chove quase todo o ano, o lixo transborda dos contentores, as fábricas têm as portas fechadas, os jovens abusam do álcool e os empregos não são tão bem pagos, ironizam o Guardian e o Economist.
A confirmar-se uma campanha de publicidade desse tipo, estaríamos perante um veemente gesto para limitar a liberdade de movimento para os trabalhadores da União Europeia, considera Yves Pascouau, director do programa Migração e Diversidade do European Policy Centre, um instituto de pesquisa independente sedeado em Bruxelas.
“Por outras palavras”, acrescenta numa entrevista ao PÚBLICO por e-mail, “seria um claro retrocesso”. E nota: “A União Europeia luta há mais de 60 anos por mais liberdade de movimento. O Reino Unido está a caminhar no sentido oposto ao reclamar menos liberdade de movimento.” Ao mesmo tempo, interroga-se: “Será coerente lançar uma campanha de publicidade que custará muito dinheiro em tempo de crise?”
Uma entre outras opções
Downing Street não comenta, mas também não desmente. Mostrar uma imagem negativa numa campanha publicitária a lançar na Bulgária e na Roménia pode ser uma das opções, entre outras. Escreve o Guardian que o Governo liderado por David Cameron pondera dificultar o acesso aos serviços públicos para imigrantes ou deportar pessoas que não encontrem emprego ao fim de três meses de permanência no país.
“É verdade que opções estão a ser ponderadas mas nós não comentamos os exemplos específicos mencionados”, disse fonte do gabinete do primeiro-ministro David Cameron citado por este jornal.
Num discurso, aguardado desde o Verão e proferido na semana passada, Cameron prometeu realizar um referendo sobre a permanência na União Europeia, caso seja reeleito em 2015. A opção seria entre ficar dentro – renegociando um estatuto mais flexível – ou sair. Os parceiros europeus reagiram contra a ideia de uma Europa “à la carte”.
Já em Outubro, no congresso anual do seu partido, o primeiro-ministro britânico mostrou-se confiante de que seria possível incluir esta questão do fim do prazo das restrições impostas à Bulgária e à Roménia nas “competências” da UE a rever com Bruxelas. Na semana passada, a sua ministra do Interior confirmou à BBC o contrário.
Theresa May esclareceu que no fim deste ano terminam todas as restrições admissíveis no tratado assinado com Bucareste e Sófia e que, no âmbito da legislação e tratado em vigor, seria impossível rever esse ponto. (Além do Reino Unido, também Áustria, Alemanha, Bélgica, França, Luxemburgo, Malta e Holanda escolheram impor restrições.) Mas tanto nas bancadas tories como dentro do Partido Trabalhista, instala-se a ideia, como uma onda de fundo, de que haverá margem para negociação.
O debate sobre imigração está sob intensa pressão em vários Estados membros e a emergência do eurocéptico UKIP (Partido da Independência do Reino Unido) “certamente influencia” o discurso de David Cameron, considera Yves Pascouau. Mas esta não é uma questão exclusiva daquele país. São vários os estados onde "os partidos populistas ou de extrema-direita têm conseguido impor as suas ideias restritivas na agenda política.”
Os exemplos mais evidentes são a Holanda e a Finlândia – ambos em 2011 vetaram a entrada da Roménia e Bulgária no espaço Schengen, que permite a livre circulação sem passaporte entre os vários países e exige o consenso dos países-membros. Reino Unido e Irlanda estão fora por opção.
Influências dos extremos
Na Holanda, Geert Wilders, o controverso líder do Partido da Liberdade, perdeu algum terreno nas últimas eleições, mas impôs na agenda o seu lema de campanha “contra a islamização do país”. Na Finlândia, Timo Soini, líder do nacionalista True Finns, quarto maior partido, tem empurrado a Europa, ou a sua visão eurocéptica da Europa, para o debate público em todo o tipo de eleições, incluindo as locais. E em França, pressionado pela subida da extrema-direita, Nicolas Sarkozy (que em 2007 venceu e no ano passado perdeu), endureceu nitidamente o discurso de campanha sobre a política de imigração.
No Reino Unido, salienta Yves Pascouau, além dos partidos, também os media “não favoráveis à União Europeia em geral e à mobilidade dentro da UE em particular” influenciam em larga escala a discussão.
Em Dezembro, o tablóide The Sun lançou o alarme sobre o levantamento de restrições à Bulgária e à Roménia ao dar voz ao deputado conservador Philip Hollobone dizendo que o número de residentes da Bulgária e Roménia no Reino Unido podia triplicar para mais de 425 mil. Desde 2007, tinha aumentado de 29 mil para 155 mil.
Oficialmente não existem estimativas de candidatos a empregos no Reino Unido vindos daqueles países. Mas esta semana, o Daily Mail, outro jornal tablóide, escreveu em título: “30 milhões de búlgaros e romenos prestes a ganhar acesso livre ao Reino Unido”. O jornal cita especialistas e um estudo publicado pelo Migration Watch (que se apresenta como uma entidade independente, apolítica e voluntária, apenas apoiada por donativos privados e preocupada com a actual escala da imigração no país), para dizer que serão muito mais as entradas de cidadãos destes dois países do que os verificados no caso da Polónia e dos outros nove países que entraram em 2004.
Já o Guardian, jornal de centro-esquerda, pediu aos leitores para enviarem sugestões de mensagens com imagens que sirvam o objectivo do Governo. "As ruas são ladrilhadas a ouro", sustenta uma com ironia; "Venham e limpem as sanitas – a Grã-Bretanha está cheia de maus empregos para os estrangeiros. Sejam bem-vindos!"; "É melhor onde estão"; "Grã-Bretanha: não se incomodem, estamos fechados" ou ainda "UK. Yuk" são alguns exemplos.
Público