O partido islamista Ennahda, principal parceiro da coligação no poder em Tunísia, desautorizou o primeiro-ministro Hamadi Jebali, declarando-se contra a formação de um Governo de salvação nacional, composto por tecnocratas, em resposta aos protestos desencadeados pelo assassínio de um dos mais conhecidos dirigentes da oposição. Temendo a repetição dos protestos da véspera, a polícia reforçou o dispositivo de segurança na capital.
“O primeiro-ministro não pediu a opinião do seu partido”, disse Abdelhamid Jelassi, vice-presidente do Ennahda, numa desautorização clara do chefe de Governo, que é um dos dirigentes históricos do partido que saiu vencedor das primeiras eleições democráticas na Tunísia. Rached Ghannouchi, líder da formação e voz da ala mais radical, não reagiu ainda à proposta do primeiro-ministro mas há poucas dúvidas sobre a sua posição: “Acreditamos, no Ennahda, que a Tunísia precisa hoje de um Governo político, assente nos resultados das eleições de Outubro de 2011”, afirmou nesta quarta-feira Jelassi.
Num anúncio inesperado, o primeiro-ministro revelou quarta-feira à noite que, para superar a actual crise política, decidiu “formar um governo de competência nacional, sem pertenças partidárias, que terá um mandato limitado à gestão dos assuntos correntes e à realização de eleições no mais breve prazo”. Não revelou, porém, quando poderá o executivo ser formado.
Jebali respondia, assim, aos protestos que estalaram em mais de uma dezena de cidades após a notícia da morte de Chokri Belaid, uma das vozes mais influentes da Frente Popular, a coligação de partidos de esquerda criada em Outubro passado para ser alternativa ao Ennahda. Os seus apoiantes responsabilizaram o partido no poder pelo homicídio, que aconteceu pouco depois de Belaid ter acusado os islamistas de estarem na origem de uma vaga de ataques contra a oposição.
A proposta do primeiro-ministro parece ter sido bem acolhida pela oposição. O antigo primeiro-ministro Beji Caid Essebsi, líder do partido Nida Tounés (secular), falou numa “iniciativa positiva”, mas defende que “todo o Governo, incluindo o primeiro-ministro, se deveria demitir”. Maya Jribi, líder do Partido Republicano, insistiu que Jebali deve obter o acordo de todos os partidos na formação do governo provisório.
Mas sem o apoio do Ennahda dificilmente a iniciativa terá sucesso e pode mesmo pôr em causa a continuação de Jebali à frente do actual Governo e a sobrevivência da própria coligação. Há semanas que o Congresso para a República (CPR, do Presidente Moncef Marzouki) e o Ettakatol (do líder do Parlamento Mustafa Bem Jafaar) ameaçam sair do Governo se o Ennahda recusar ceder-lhes alguns dos ministérios centrais. Jebali, visto como um moderado, era favorável à remodelação governamental, mas o líder do partido rejeita perder pastas como a da Administração Interna e Justiça. Numa aparente cedência, o vice-presidente do Ennahda comprometeu-se “a continuar as discussões com vista a uma remodelação governamental”, mas admite-se que os parceiros da coligação optem por aderir à proposta de Jebali.
A crise deixa ainda mais incerta a aprovação de uma nova Constituição, que está há 15 meses em discussão – o diploma precisa de ser aprovado por dois terços dos deputados, mas as duas versões já apresentadas não conseguiram gerar consenso e, sem uma nova Lei Fundamental, não será possível realizar novas eleições legislativas. E o impasse agravará a contestação nas ruas, alimentada pela crise económica e a frustração de milhares de jovens sem emprego.
Para amanhã está previsto o funeral de Belaid e até lá a polícia permanece em alerta. Na terça-feira, um agente foi morto nos confrontos com manifestantes em Tunes, mas as manifestações estenderam-se ao Norte e à região central, entre as mais pobres da Tunísia.