Em 2005, quando o fumo branco saiu da Basílica de São Pedro a anunciar que Bento XVI tinha sido escolhido como o novo Papa, a irmã Bernardete Rossoni desatou a correr em direcção à praça. Hoje, domingo, aos 39 anos, esta freira da Congregação Filhos de São Camilo, que se dedica a assistir doentes, está de volta para ver o Papa na janela do Palácio Apostólico a abençoar as mais de 50 mil pessoas que aqui estiveram, segundo o Vaticano. "É um dia histórico e é muito importante participar. Quem vive estes momentos de fora não consegue entender. Nós temos essa graça, esse privilégio."
O Papa vem habitualmente aos domingos abençoar os peregrinos na Praça de São Pedro, mas esta foi a primeira vez desde que anunciou a renúncia. Será o penúltimo domingo em que o faz.
Na praça, há polícias fardados e à paisana, há assistência médica da Cruz Vermelha, há muitas câmaras e muita energia. Numa hora, a praça e as ruas que aqui vêm dar cobrem-se de uma enorme massa humana. Bandeirinhas amarelas a dizer "Viva o Papa" estão à venda. O barulho das carrinhas das cadeias de televisão para fazerem os directos está em pano de fundo contínuo.
Ao meio dia em ponto Bento XVI aparece, ao som de palmas e vivas. A massa humana escuta-o. A mensagem vai na linha da que leu na quarta-feira durante a audiência geral. Refere de novo a Quaresma e a necessidade de os crentes "renovarem o espírito" e renunciarem ao "orgulho e egoísmo".
A reafirmação da fé implica "sempre uma luta, um combate espiritual, porque o espírito do mal naturalmente opõe-se à nossa santificação", disse Bento XVI.
Alessandro Speciale, vaticanista para o Religious News Service, e colaborador do Vatican Insider, ouviu as palavras de Bento XVI como "uma mensagem espiritual", que pode ser lida à luz do momento. "Está a dizer aos homens para seguir Deus e não ceder aos desejos, para olharem para o que mais interessa”.
Bento XVI deixa a janela e a multidão dispersa. Afinal, para alguns, foram quase duas horas de espera.
Dez da manhã e o frenesim de gente a chegar, gente com faixas de apoio e gratidão a um Papa que, há quase uma semana fez o gesto histórico de renunciar ao lugar máximo da Igreja Católica e espantou tudo e todos. Bento XVI disse estar sem forças para exercer a função e que renunciava em "plena liberdade" e para o bem da Igreja. "Quem tem o poder máximo e se retira?", pergunta a irmã Bernardete num tom de admiração.
Vestida de branco, com a cruz vermelha ao centro, e uma faixa amarela que a identifica como membro do grupo que veio prestar o seu apoio a Joseph Ratzinger, a freira brasileira explica que o Papa é "o nosso pai, um ponto de referência para a nossa fé". "É o representante de Cristo na terra como guia, que dá as indicações necessárias para seguir o caminho da salvação”, diz a irmã Rossoni
Como católica, acredita "na infalibilidade do Papa, que ele tem assistência espiritual nas suas decisões na terra". Vê-se que tem mesmo uma grande admiração por um homem para quem olha como "muito profundo": "Deu indicações sobre o fundamento da fé, o que significa ser cristão hoje, essa profundidade da relação com Deus que está no principio da vida cristã", diz Rossoni . Fê-lo nos discursos, nas encíclicas. "Cada palavra sua é pesada, não diz uma palavra fora do lugar, e diz coisas muito profundas com palavras muito simples."
A sua marca? "Enquanto Joao Paulo II foi pelo mundo encher praças, este foi mais reflexivo, provocou uma reflexão sobre a fé. É um Papa de grande transparência, que teve grande coragem de enfrentar os problemas da Igreja" - como os escândalos de abusos sexuais de menores. Não foi, porém, a vê-lo que Bernardete aprendeu a "amar o Papa". Foi "através da leitura do que ele escrevia".
Sendo assim, Bernardete Rossoni vai poder continuar a estar próxima de Bento XVI, já depois de o Papa se retirar, a 28 de Fevereiro, às 20h, a hora a que habitualmente costuma parar de trabalhar. A data do conclave ainda não é certa: estava inicialmente marcada para entre 15 e 20 de Março mas o Vaticano poderá antecipa-lo.