Passaram mais de 16 anos, mas como todos os traumas de uma sociedade, este continua bem presente na memória dos belgas. Em 1996, Marc Dutroux foi preso e acusado de pedofilia, quando na cave da sua casa foram encontradas, com vida, duas meninas de 12 e 14 anos desaparecidas. Mais tarde, foram resgatados os corpos, sem vida de outras quatro, também abusadas e torturadas. Centenas de milhares de pessoas saíram então à rua, numa “marcha branca” pelas cidades belgas, de balões e flores brancas em punho, dando voz à revolta face ao pior escândalo de abusos sexuais de que havia memória no país.
Dezasseis anos passados, sobre os crimes cometidos entre Junho de 1995 e Agosto de 1996, a justiça belga examinou o pedido do condenado a uma revisão da pena pelo rapto e violação de seis meninas e adolescentes e a morte de quatro delas. Dutroux, 56 anos, apresentou o pedido em Setembro para passar a liberdade condicional com uso de pulseira electrónica. Essa passagem é tecnicamente possível, a partir de 30 de Abril. De acordo com a justiça belga, os condenados podem pedir a liberdade depois de cumprido um terço da pena ou 15 anos, para o caso dos condenados a prisão perpétua. A decisão foi porém o contrário do que esperava o condenado. A justiça negou-lhe a saída antecipada.
O tribunal considera, segundo a agência AFP, que "não existe uma perspectiva de integração" de Dutroux, condenado a prisão perpétua, havendo mesmo risco de reincidir nos crimes, caso seja libertado. Por isso, "não é apropriado aplicar medida de vigilância electrónica", considerou a presidente do tribunal de aplicação de penas.
A decisão era esperada. O jornal Le Soir e o site de notícias Sud-Presse, da Bélgica reduziam ao mínimo as probabilidades de o Tribunal de Aplicação das Penas se decidir pela liberdade condicional. Referem os pareceres negativos do Ministério Público e da prisão de Nivelles onde está Dutroux e o facto de não serem credíveis os planos do condenado (suposto electricista que, antes de ser preso, recorria ao tráfico de droga e a furtos para ganhar a vida), para enveredar agora pela profissão de mecânico ou canalizador.
O jornal Le Soir publica uma entrevista com a mãe do condenado em que esta considera o filho ainda um perigo para a sociedade. Se ele sair, vai reincidir, afirma. E concretiza: “Marc não está pronto para sair em liberdade porque continua a quere atribuir a todos a responsabilidade dos seus actos. (…) Estou certa de que ele vai voltar a fazer o que fazia. (…) Não vai voltar a fazê-lo com crianças. Talvez agora não seja capaz disso. (…) Vai criar um grupo de pessoas para trabalharem para ele vai cometer delitos.”
Ex-mulher e cúmplice libertada em Agosto
A interrogação está porém no ar. E o receio também. Dutroux pode, a partir de agora, renovar o mesmo pedido todos os anos e vê-lo ser analisado pelo Ministério Público e o Tribunal de Aplicação das Penas, como foi o da sua ex-mulher que Michelle Martin, condenada por cumplicidade nos crimes, e autorizada a deixar a prisão em Agosto último.
Na altura, Michelle Martin tinha cumprido 16 dos 30 anos da pena a que foi condenada. Foi transferida para um convento em Malonne, a 60 quilómetros de Bruxelas, que aceitou recebê-la. A sua libertação reavivou os fantasmas do escândalo que ainda pairam na Bélgica, como o pedido agora solicitado pelo próprio Dutroux, conhecido como o “inimigo público nº1” do país.
“Tarde ou cedo, ele sairá. Espero não ser deste mundo no dia em que isso acontecer.” É a mãe de Dutroux quem o diz.