Responsáveis europeus criticaram as inspecções feitas nos últimos dias pelas autoridades russas a dezenas de organizações não-governamentais, aplicando a lei que obriga quem receba fundos do estrangeiro a declarar-se como “agente estrangeiro”.
A legislação, aprovada em Julho depois do regresso de Vladimir Putin à Presidência russa, entrou em vigor no final do ano passado, mas foi só nas últimas semanas que magistrados e inspectores dos serviços de Finanças começaram a visitar organizações não-governamentais (ONG) russas e representações de organizações internacionais de forma sistemática. Segundo a BBC, perto de uma centena de instituições terão sido desde então alvo de buscas, realizadas em várias cidades, incluindo a organização russa de defesa de direitos humanos Memorial, a Alliance Française (instituto dedicado à difusão da cultura e língua francesa) e a delegação local da Amnistia Internacional.
Nesta quarta-feira, foi a vez da organização Human Rights Watch, sediada em Washington, ser alvo de buscas. “Representantes do Ministério Público e da inspecção fiscal chegaram aos nossos escritórios em Moscovo às 10h45”, disse à agência russa Interfax Rachel Denber, directora adjunta para a Europa e Ásia Central da organização, denunciando a “pressão sobre a sociedade civil na Rússia”.
Também a associação russa de promoção dos direitos humanos Agora confirmou ter recebido a visita das autoridades que, à chegada, requisitaram “uma cópia dos estatutos, documentos sobre as suas actividades, incluindo uma lista dos seus membros”, revelou à mesma agência um dirigente da organização.
Na véspera, os fiscais visaram duas instituições alemãs financiadas pelos dois maiores partidos do país – a Fundação Konrad Adenauer, ligada aos democratas-cristãos (CDU) da chanceler Angela Merkel, e a Fundação Friedrich Ebert, próxima dos sociais-democratas (SPD).
O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Guido Westerwelle, não escondeu o seu desagrado e convocou o encarregado de negócios da Embaixada da Rússia em Berlim para lhe transmitir “a sua preocupação com esta acção concertada”. Um diplomata alemão foi mais longe, dizendo à revista Der Spiegel que Berlim “deixou muito claro” que “pôr em causa a actividade das fundações alemãs poderá infligir danos duradouros às relações bilaterais”.
O secretário-geral da CDU, Hermann Groehe, revelou também que os fiscais apreenderam computadores durante as buscas, acusando Moscovo de desencadear uma acção “totalmente inaceitável” contra fundações que “estão a dar um contributo importante para o desenvolvimento de estruturas democráticas, a construção de um Estado assente na lei e a promoção da sociedade civil”.
O Kremlin afirma que a controversa lei – que se destina a ONG tanto estrangeiras a actuar no país como russas que beneficiem de financiamento externo – se destina a evitar ingerências externas na política russa. Mas os críticos dizem tratar-se de um mecanismo destinado a silenciar as vozes dissonantes, apontando o facto de a lei ter sido aprovada depois dos protestos que se seguiram à reeleição de Putin, que o Kremlin disse terem sido instigados por países estrangeiros.
Terça-feira, a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, voltou a manifestar-se preocupada com “inspecções a apreensões desencadeadas com base em fundamentos jurídicos vagos” e “destinados a fragilizar a sociedade civil”.