A antiga primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, morreu nesta segunda-feira, aos 87 anos, em resultado de um acidente vascular cerebral. A revista Time considerou-a uma das cem figuras mais influentes do século XX, e poucos britânicos discordarão da sua presença na selectiva lista, mesmo os mais atingidos pela cura de austeridade que a Dama de Ferro aplicou como remédio ao declínio económico do Reino Unido. Mulher de convicções fortes, impôs a sua “revolução conservadora” ao país, criando uma era a que emprestou o nome.
Margaret Thatcher foi a primeira (e única) primeira-ministra da velha Albion, quando a presença de mulheres no cargo era ainda um facto estranho – só não foi pioneira porque antes dela houve “gigantes” como Indira Ghandi e Golda Meir.
Num tempo em que a política era ainda integralmente masculina, Thatcher não dava especial importância ao facto de ser a primeira mulher em tais funções, mas citava Sófocles quando a questionavam sobre isso: “Quando uma mulher está em condições de igualdade com um homem, torna-se superior.” E os que a conheceram de perto lembram a importância que dava à aparência – “Sempre que entrava na casa de banho das mulheres, lá estava Margaret a passar um vestido a ferro”, contou à ITV uma antiga rival política.
Thatcher também nunca usou o facto de ser mulher para cativar eleitores. Foi uma “máquina de ganhar eleições”, mas nunca trocou votos por simpatia. “Suspeito que nenhum outro líder do nosso tempo será capaz de manifestar tanta vontade de resistir ao desejo de agradar”, escreveu o seu biógrafo Hugo Young. Foi assim quando os cortes que aplicou na despesa lançaram milhões no desemprego, quando assistiu sem ceder à morte de presos do IRA em greve de fome e, sobretudo, quando em 1984 venceu o longo braço de ferro com os mineiros em greve para, logo a seguir, limitar o poder dos sindicatos.
Quando abandonou o Governo, em 1990, tinha invertido o ciclo de declínio do Reino Unido (com um PIB que era, em 1979, 30% inferior ao da França) e o “homem doente da Europa” transformara-se numa economia liberal em crescimento. Um país próspero, mas também muito desigual – o caminho estava preparado para a chegada de Tony Blair, um primeiro-ministro radicalmente diferente no estilo, mas que abraçou o mercado livre que herdou dela.
Atraída pela política
Margaret Hilda Roberts nasceu em 1925, em Grantham. Os pais, Alfred e Beatrice, eram donos de uma mercearia na pequena cidade da costa leste de Inglaterra e a família vivia no apartamento no andar de cima da loja.
Dos seus primeiros anos, a ex-primeira-ministra recordava os fortes laços de entreajuda da congregação metodista a que os Roberts pertenciam, mas também o envolvimento político do pai, membro do conselho local. Um “bichinho” que passou à mais nova das duas filhas.
Aluna nas escolas públicas de Grantham, Margaret conseguiu uma bolsa de estudo para a Universidade de Oxford, onde em 1947 se licenciou em Química, tendo como professora Dorothy Hodgkin, galardoada em 1964 com prémio Nobel. Mas às moléculas e partículas, ela preferiu a política, envolvendo-se na associação de estudantes conservadores – porta que lhe permitiu conhecer alguns dos mais influentes políticos que então visitavam a universidade.
Antes de completar trinta anos, candidatou-se, em 1950 e 1951, a um lugar no Parlamento por Dartford, um bastião seguro dos trabalhistas. Perdeu, das duas vezes, mas tornou-se conhecida no país por ser a mais jovem candidata a deputada. Foi em Dartford que conheceu e se casou com Denis Thatcher, um empresário local, que se tornará pai dos seus filhos gémeos, Mark e Carol, e sua fiel sombra durante os anos do poder – em público ele tratava-a por “the boss”.
Em 1959 é finalmente eleita deputada por Finchley, um círculo a norte de Londres que representará até 1992. Em Westminster depressa conquista visibilidade: é secretária de Estado no Governo de Harold Macmillan (1957-63), integra vários governos-sombra e quando Eduard Heath derrota os trabalhistas, em 1970, escolhe-a para ministra da Educação. O tempo era de grande agitação social e nas eleições seguintes os tories regressam à oposição, que ela passou a liderar em 1975, após desafiar a liderança de Heath e derrotar os restantes candidatos logo à primeira volta.
Nunca antes uma mulher ocupara tal lugar entre as democracias europeias, mas Thatcher levará o feito mais longe quando vence as legislativas de 1979, no rescaldo de um longo período de greves que ficaria conhecido como o Inverno do Descontentamento.
Revolução conservadora
Eleita com o slogan “o socialismo não funciona”, mal chega a Downing Street põe em marcha a sua “revolução conservadora”, que tinha como pilares a redução da despesa e do peso do Estado na economia, a privatização de indústrias e serviços, o controlo da inflação. Um tratamento de choque que acelera a recessão e aumenta o desemprego, mas Thatcher fortalece a sua base de apoio com o fomento do “capitalismo popular”, incentivando os britânicos a comprar as casas arrendadas em que viviam ou a adquirir acções das empresas privatizadas.
A recessão põe em risco a sua reeleição, mas então subitamente em Abril de 1982 a Argentina invade as Falklands, ilhas a que chama Malvinas e que reclama como suas. Sem hesitar, a primeira-ministra envia as forças para a zona e após sangrentos combates as tropas britânicas recuperam o controlo das ilhas, dando um inigualável trunfo a Thatcher, que, no ano seguinte, é reeleita por esmagadora maioria.
Uma vitória folgada que lhe permite radicalizar a sua agenda, fomentando em igual medida ódio e admiração. Em 1984 escapa, ilesa, a um atentado do IRA, em retaliação pela morte de Boby Sands e companheiros, mas o ataque só a torna mais intransigente com o terrorismo.
Na política externa, é aliada incondicional dos Estados Unidos e tem em Ronald Reagan o seu modelo. Os analistas dizem que os dois líderes, que chegaram ao poder com 18 meses de diferença, eram almas gémeas – ele garantia que ela era “o melhor homem de Inglaterra”; ela falava dele como o “segundo homem mais importante da minha vida”. Formaram uma aliança inquebrável contra uma ex-URSS em declínio (foram os soviéticos quem lhe colocou a alcunha que tanto lhe agradou), que só aceitou dialogar quando Mikhail Gorbachev assumiu o poder em Moscovo.
Mais complicadas foram as suas relações com a Europa – “esse continente de onde só vieram problemas”, diria. Adepta do mercado único, opõe-se ferozmente às iniciativas de integração política, tornando-se a primeira dos eurocépticos.
Seria, ironicamente, a questão europeia a precipitar a sua queda, em 1990, três anos depois de ser reeleita pela segunda vez e quando estava no auge do poder. A construção europeia, tornada mais urgente pela queda do Muro de Berlim, divide os conservadores e leva o partido a questionar a liderança de Thatcher. A votação acontece quando a primeira-ministra está em Paris e de regresso a Londres percebe que todos a desertaram. Sem alternativas, demite-se.
Os doze anos seguintes passa-os em conferências pelo mundo, escrevendo livros, incluindo A Arte de Bem Governar (Quetzal, 2002), que deixaria como testamento político. Quase em simultâneo, a Dama de Ferro anuncia o abandono da vida pública, por conselho dos médicos, após ter sofrido pequenos derrames. A filha revelará depois que a mãe sofre de uma forma de demência – a sua prodigiosa memória trai-a, passado e presente confundem-se. Não desaparece dos olhares públicos – é membro vitalício da Câmara dos Lordes e irá lá em ocasiões solenes – mas a sua voz deixa de se ouvir. A morte do marido, em 2003, deixa-a mais sozinha.
Quando escreveu o último livro, o seu retrato acabava de ser mudado da sala dos contemporâneos para a dos históricos na National Portrait Gallery. Thatcher não mostrava ressentimento: “É justo, já se passaram onze anos desde que deixei o n.º 10. Como se diz, o mundo avançou, sob todos os aspectos.” Um mundo que ela ajudou a mudar.