Os pesadelos de Joo-il Kim voltaram a ocupar as suas noites desde que o regime do seu país elevou o tom das ameaças de guerra contra a Coreia do Sul e os Estados Unidos. Mas este refugiado norte-coreano não acredita que Pyongyang esteja à procura de uma guerra. Numa longa entrevista ao jornal The Independent, diz: a ameaça nuclear serve para desviar a atenção da comunidade internacional dos verdadeiros problemas do país – a fome e a opressão extrema do regime.
“Embora o meu corpo esteja em Inglaterra, ainda tenho pesadelos sobre a Coreia do Norte”, conta ao diário britânico. Nesses pesadelos, Joo-il Kim é perseguido pelo Exército ou executado em público ou a sua família capturada e levada para um dos campos de prisioneiros políticos.
É o que costuma acontecer aos familiares de refugiados que cumprem o sonho de saltar a fronteira. No caso deste ex-militar, porém, foi diferente. Desde que saiu do país em 2005 e se instalou no Reino Unido em 2007, trabalha na área dos direitos humanos em actividades com a ONU e isso dá-lhe protecção. “Eles querem punir a minha família, mas não sabem como”, diz.
“O Governo alega que não há violações de direitos humanos na Coreia do Norte, e isso impede-os de fazerem mal a familiares de uma pessoa tão exposta como eu.” Em vez de mandarem os seus pais e irmãos para um campo de prisioneiros, vigiam-nos permanentemente, não deixando que se movimentem nem mesmo no bairro onde residem.
Na Coreia do Norte, conta Joo-il Kim, as pessoas não têm pertences, vivem em casas que são do Governo e não podem viajar pelo país. Se viajassem, veriam a extensão do sofrimento como ele viu.
Como militar, Kim pôde viajar pelo país. Nessas viagens, viu muitas coisas, percebeu o desespero das pessoas, muitas delas expostas à fome. Quando esse desespero atingiu a sua própria família, com a morte de uma sobrinha de quatro anos por malnutrição, pensou fugir, hesitou e finalmente decidiu. “Se não o fizer agora, nunca o farei”, reflectiu.
Quatro horas, rio acima
A partir da província de Hamgyong, junto à fronteira com a China, aproximou-se do rio e esperou. Numa noite especialmente escura, nadou mais de quatro horas. Foi em Agosto de 2005. Tinha 32 anos. Após tentativas falhadas de conseguir asilo político no Vietname, China e Camboja, países que não aceitam refugiados da Coreia do Norte, chegou ao Reino Unido, onde, diz, descobriu “o valor da democracia”.
Vive num tranquilo subúrbio de Surrey, Inglaterra. É director de uma associação, a North Korean Residents Society, e lançou uma página em coreano e inglês na Internet. As notícias e textos aí publicados não chegam aos norte-coreanos, mas Kim acredita que este é um primeiro passo para a impressão de um jornal que talvez consiga fazer chegar clandestinamente à Coreia do Norte. Quer ajudar a mudar a situação no seu país.
Na Coreia do Norte, as montanhas não são verdes como os prados de Inglaterra. Na Coreia do Norte, as pessoas cortam as árvores para terem lenha para se aquecerem. E a água, na província de Kilju, onde Kim nasceu e onde o regime de Kim Jong-un realizou os três primeiros testes nucleares, vem das nascentes nas montanhas em redor. Kim teme pela saúde dos habitantes desta província que podem estar expostos a radiações.
A mais alta provocação
Com a ameaça nuclear recente, diz Joo-il Kim, a Coreia do Norte atingiu “o mais alto nível de provocação de sempre”. Não com o objectivo de iniciar uma guerra, mas sim de salvar o regime. “[Os responsáveis norte-coreanos] estão preocupados com um eventual colapso do regime por uma força exterior ou uma sublevação interna. Por causa desses dois factores, acreditam serem necessárias armas nucleares.”
As ameaças de um ataque – contra a Coreia do Sul, os EUA ou o Japão – acontecem porque o regime tem medo que a verdadeira situação dos direitos humanos no país seja exposta, diz Kim ao Independent. “Toda a gente está focada nas questões da guerra. O assunto nuclear serve o propósito de desviar a atenção internacional.” E aconselha: “Neste momento, era mais importante focar a atenção nas questões de direitos humanos.”