As tensões sociais e políticas na África do Sul serão mais visíveis após a morte de Nelson Mandela, estima o investigador Fernando Jorge Cardoso, considerando que até agora têm estado "contidas" pelo respeito à principal figura da luta anti-apartheid.
O antigo presidente da África do Sul, Nelson Mandela, de 94 anos, encontra-se hospitalizado em estado crítico devido a uma infecção pulmonar.
"Aquilo que vai acontecer na África do Sul não é algo que acontece após a morte ou por causa da morte de Nelson Mandela. É algo que já está lá há muito tempo. [A África do Sul] tem sido vítima de radicalizações e de problemas de crescimento económico, desemprego e de natureza social, que vão levar a que a visibilidade destas tensões seja mais clara após a morte de Mandela, estando [até agora] a sociedade e os partidos políticos um pouco contidos pelo respeito que essa grande figura lhes merece", disse à agência Lusa este especialista em assuntos africanos.
Para o investigador do Instituto Marquês de Valle Flôr, o antigo presidente sul-africano e herói da luta contra o regime de segregação racial que vigorou na África do Sul até 1994, é "uma figura agregadora" cujo "desaparecimento ocorreu há alguns anos quando ficou claramente diminuído do ponto de vista da sua capacidade de intervenção".
"O que a morte física de Mandela pode trazer a este cenário é, numa primeira etapa de muito curto prazo, um grande sentimento de unidade nacional porque todas as raças, todas as tribos, toda a nação sul-africana irão chorar Nelson Mandela e reivindicar para si aquela parte que considera positiva da ação de Mandela na transição de um regime de opressão para um regime de liberdade", acrescentou.
Mas, para Fernando Jorge Cardoso, imediatamente após esse período, as tensões sociais e políticas "vão passar a evidenciar-se" agravadas por um cenário económico desfavorável.
"A África do Sul é um país que não está a crescer economicamente, é o único país africano onde o crescimento demográfico é negativo por efeito de uma grande incidência do HIV/SIDA na população [...] e há um grande nível de desemprego", adiantou.
Para Fernando Jorge Cardoso, os efeitos da política de separação racial das cidades, dos sistemas organizacionais, da educação e da saúde, que vigorou durante o apartheid perduram na sociedade sul-africana.
"Há uma consequência de longo prazo que não é possível resolver em 20 anos e que tem a ver com a separação estrutural, física, ideológica e cultural da população em termos rácicos e em termos tribais. Este problema só parcialmente está resolvido, vai perdurar e implica tensões sociais e problemas muito complicados", disse.
Explicou que a tudo isto poderá juntar-se uma crise política no Congresso Nacional Africano (ANC), partido no poder, onde convivem três correntes distintas: uma mais radical, que considera que o partido não conseguiu resolver de forma suficientemente rápida o acesso da população negra ao poder e a melhoria de vida desta população, uma corrente que apoia o actual Presidente, Jacob Zuma, e uma outra linha política mais moderada, mas que não apoia o actual chefe de Estado.
"O ANC tem governado com maiorias absolutas desde 1994, mas essas maiorias não escondem o facto de o ANC ser o resultado da coligação de 30 diferentes organizações com sustentáculos de natureza social e política diferenciados e com divisões internas em que o que agregava as vontades era o objectivo de luta contra o apartheid", adiantou.
"O desaparecimento de Mandela vai levar a que dentro de alguns meses seja muito mais óbvia uma luta pelo poder dentro do ANC", acrescentou Fernando Jorge Cardoso.
Desde Dezembro, este é o quarto internamento de Nelson Mandela, que deu entrada no hospital a 08 de Junho, tendo-se o seu estado de saúde agravado no domingo.
Nelson Mandela, que em 1994 se tornou no primeiro presidente negro da África do Sul, comemora a 18 de Julho os 95 anos.