Portugal se despediu neste domingo do Prémio Nobel de Literatura, José Saramago, falecido nesta sexta-feira, aos 87 anos, prestando uma última homenagem a seu filho rebelde, que escolheu o exílio na Espanha em 1993, depois da censura sofrida por um de seus romances.
A morte do escritor causou uma grande comoção popular em Portugal, onde um luto nacional de dois dias foi decretado em sua homenagem.
Mais de 20.000 pessoas, segundo a polícia, visitaram ao longo do fim-de-semana o caixão de Saramago, exposto na prefeitura de Lisboa. Desfilaram diante delas várias personalidades, mas principalmente pessoas anónimas, muitas das quais jamais leram seus livros, mas que choravam a morte de um defensor dos oprimidos.
"Obrigado, operário das palavras, por ter se colocado a serviço dos humildes", podia ser lido no livro de ouro aberto na capela ardente, onde havia a assinatura de inúmeras pessoas que usavam um cravo vermelho - símbolo da revolução de 25 de Abril de 1974 que pôs fim à ditadura em Portugal.
Entre a multidão, muitos lamentavam a ausência do chefe de Estado Aníbal Cavaco Silva, que se encontra em férias nos Açores. "O presidente deveria estar aqui, Saramago merecia", queixou-se uma mulher, enquanto outra comentava, irónica: "Não me surpreende. De qualquer forma, Saramago não ia querer isso".
Cavaco Silva, católico de direita, era primeiro-ministro em 1993 quando o governo português vetou a candidatura de Saramago a um prémio literário por achar que seu romance "O Evangelho segundo Jesus Cristo" era um ataque ao "património religioso nacional".
Furioso, acreditando-se vítima de censura, Saramago abandonou o país para instalar-se nas ilhas Canárias, na Espanha, onde viveu até morrer.
Nos Açores, o presidente minimizou a "polémica estéril" sobre sua ausência, recordando que já havia prestado uma homenagem à obra de José Saramago, mas que nunca teve o privilégio de conhecê-lo pessoalmente.
No final da manhã, uma cerimonia que reuniu amigos e parentes do escritor, e personalidades como o primeiro-ministro socialista José Socrates, a vice-presidente do governo espanhol, Maria Teresa Fernández de la Vega, e Jerónimo de Souda, dirigente do Partido Comunista ao qual Saramago foi fiel desde 1969, entre outros.
Depois da cerimonia, quando foi erguido o caixão coberto com uma bandeira de Portugal, os presentes ovacionaram o falecido, e muitos choravam.
Posteriormente, os restos de Saramago foram cremados no cemitério.
Neste domingo, a modo de oração fúnebre, o Osservatore Romano, órgão oficial do Vaticano, publicou uma violenta crítica ao escritor, classificando-o de "populista extremista" e de "ideólogo anti-religioso", demonstrando assim, segundo observou o jornal Publico, que o Nobel português "não foi perdoado" pela Igreja.
Várias personalidades, entre elas o ex-presidente socialista Mário Soares, pediram neste domingo, em Portugal, que as cinzas do escritor sejam transferidas ao Panteão Nacional.