A Comissão Constituinte egípcia, dominada pelos islamitas, iniciou nesta quinta-feira a votação de um projeto da lei fundamental, mantendo a referência aos "princípios" da sharia, que já existia no governo de Hosni Mubarak.
Esta votação de um projeto estagnado há semanas em razão de profundas divergências entre islamitas e não-islamitas, foi anunciada na quarta-feira, para a surpresa geral, no momento em que o país atravessa uma grave crise política.
No artigo 2 do projeto de Constituição, está previsto que os "princípios da sharia" constituem a "principal fonte da legislação", uma formulação bem consensual no Egipto e que significa que a lei islâmica não é a única fonte da legislação.
Os fundamentalistas salafistas desejavam referências à sharia mais restritivas.
Em contrapartida, muitos liberais, assim como a Igreja Ortodoxa Copta, que representa de 6 a 10% da população, tinham indicado que não iriam além do texto da Constituição anterior.
No entanto, outras disposições que ainda não foram votadas, muito criticadas nos círculos liberais e cristãos, poderiam ajudar a ampliar os domínios de aplicação da sharia.
Algumas disposições sobre a liberdade de expressão também causaram preocupação entre os meios de comunicação e defensores dos direitos civis.
No início da noite a metade dos 234 artigos já tinham sido adotados.
Uma vez votado, o projeto deve ser enviado ao presidente Mohamed Mursi, que deve submetê-lo a um referendo dentro de duas semanas.
A nova Constituição deve substituir a Carta Magna em vigor durante o regime de Hosni Mubarak, que foi revogada logo após a sua queda, em fevereiro de 2011, sob pressão de uma revolta popular.
"Irmandade Muçulmana faz sua própria Constituição"
Este processo ocorre no momento em que o Egipto enfrenta sua pior crise desde a eleição de Mursi devido à decisão do chefe de Estado de aumentar seus poderes para evitar, entre outras coisas, o bloqueio do processo constitucional pela Justiça.
A rápida adopção da Constituição deve permitir a Mursi deixar este assunto delicado para trás, mas também pode causar um surto de raiva entre seus adversários.
Os anti-Mursi que ocupam a Praça Tahrir, no Cairo, denunciam um procedimento ilegal, que exacerba as tensões.
"Não é lógico realizar uma votação no momento em que o país está tão dividido", declarou o manifestante Abdel Nasser, um desempregado de 42 anos.
"A Irmandade Muçulmana faz a sua própria Constituição, não a do Egipto", disse Tamer Harby, de 30 anos.
Os poderes fortalecidos de Mursi, que ele prometeu que seriam apenas "temporários", devem ser cancelados quando a nova Constituição for adotada.
O presidente deve se pronunciar na televisão ainda hoje para explicar sua política, de acordo com o jornal do governo, Al-Ahram, mas o horário não foi anunciado oficialmente até o início desta noite.
O Egipto é sacudido há vários dias por muitos protestos, às vezes violentos, que deixaram três mortos e centenas de feridos.
Alguns opositores convocaram uma nova manifestação contra Mursi para sexta-feira na Praça Tahrir, enquanto os islamitas se preparam para manifestações em apoio ao presidente no sábado.
A Irmandade Muçulmana, no entanto, indicou nesta quinta-feira que sua manifestação no Cairo não será realizada em Tahrir, ao contrário do que foi anunciado, devido ao alto risco de confrontos.
Os defensores do chefe de Estado asseguram que os seus poderes foram reforçados para garantir o processo de transição democrática, ainda caótica, quase dois anos após a queda de Mubarak.