O arcebispo de Braga criticou hoje as medidas de austeridade anunciadas pelo primeiro-ministro e afirmou à Agência ECCLESIA que a tolerância da população à perda de rendimentos pode estar a chegar ao fim.
“Não sei até que ponto este povo de brandos costumes poderá aguentar durante muito tempo”, disse D. Jorge Ortiga, acrescentando logo a seguir que não está “de maneira nenhuma a incitar à violência”, embora sinta que “as pessoas começam a ficar sem horizontes de um amanhã que possa dar tranquilidade”.
O responsável pela ação dos organismos de apoio social da Igreja Católica considera que as famílias, “em particular as mais pobres”, estão a ser “demasiado sobrecarregadas”, perdendo “as possibilidades de suportar os encargos essenciais para uma vida minimamente digna”.
Depois de vincar que os cerca de 35 euros que os trabalhadores com o salário mínimo vão deixar de receber mensalmente são uma verba “muito significativa”, D. Jorge Ortiga disse que “os representantes da ‘troika’ olham para a realidade de maneira fria, com estatísticas, números e objetivos”.
O responsável colocou a hipótese de o Governo ser incapaz de transmitir aos representantes do Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu a “situação real” de Portugal”, onde a austeridade “torna quase impossível” corresponder às “exigências fundamentais” da vida.
Pedro Passos Coelho anunciou na sexta-feira um aumento de 11 para 18% da contribuição para a Segurança Social dos trabalhadores dos setores público e privado, a par da redução de 23,75 para 18% da taxa paga pelas empresas para o mesmo sistema.
“Procuro ser otimista mas o meu otimismo está a ser confrontado com o realismo quotidiano. A grande preocupação deste país, nomeadamente no Norte, é o aumento diário dos desempregados”, salientou o prelado, para quem a nova medida, contrariamente às intenções do Executivo, não vai criar mais postos de trabalho.
O presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana acredita que há “outras soluções onde se pode, porventura, encontrar aquilo que o país necessita”, embora ressalve que “não é técnico” nem tem “competências” na área financeira.
“O contributo da Igreja, além das respostas imediatas que vai dando aos problemas, deve ser o da denúncia de que o problema também radica no tipo de humanismo que pretendemos”, declarou D. Jorge Ortiga, sublinhando que a atual “organização da sociedade, com os seus sistemas liberais ou neo-liberais, está ultrapassada”.
A emergência de um “novo paradigma da sociedade”, mais “solidária” e “sóbria”, é um “trabalho de fundo” que pede “muita reflexão”, apontou.
A Semana Social que a Comissão Episcopal presidida pelo arcebispo bracarense organiza em novembro, no Porto, vai centrar-se no “significado profundo do Estado social”.
“Espero que nessa altura possam surgir algumas orientações e luzes que nos ajudem a discernir o caminho a percorrer”, referiu.