O anúncio de resignação do Papa Bento XVI foi recebido, em Portugal, com alguma surpresa. Afinal o Papa já tinha declarado que não via com maus olhos a resignação.
É um "acto de grande coragem e de grande amor", classifica o padre José de Tolentino Mendonça ao PÚBLICO. Também Carreira das Neves, especialista em Bíblia, olha para este acto com "satisfação ". O cónego Manuel Lourenço, especialista em Direito Canónico, diz que este é um acto que ajuda a reflectir sobre as limitações humanas. Victor Feytor Pinto, responsável da Pastoral da Saúde, defende que a decisão "revela enorme lucidez". É um "gesto único" na Igreja, resume D. Januário Torgal Ferreira.
A declaração de Bento XVI, esta segunda-feira, de manhã, no Vaticano, foi "muito comovida e de grande autenticidade", aponta o padre e poeta José de Tolentino Mendonça, a partir de Roma.
O ambiente que se vive na Praça de São Pedro é de grande emoção e perturbação, testemunha. Contudo, olha para esta decisão como própria do século XXI. Ser chefe de Estado e da Igreja Católica é um desafio maior num mundo globalizado e a grande mediatização exige uma capacidade física grande para responder às múltiplas solicitações, continua Tolentino de Mendonça.
“Foi uma surpresa. Isto é um acto único na Igreja, mas não é nada de anómalo. As últimas fotografias e imagens que vi do Papa já mostravam um Papa muito cansado”, adiantou D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, à Lusa, confessando ter recebido com surpresa o anúncio da resignação.
Bento XVI e João Paulo II
Para o biblista Carreira das Neves esta decisão é um "sinal dos tempos". "É com satisfação [que assisto ao anúncio] porque estamos a viver tempos mais democráticos e esta decisão mostra que a Igreja encaminha-se para aceitar os desígnios da democracia", declara Carreira das Neves ao PÚBLICO.
"Não há nenhuma lei divina ou do Evangelho" que diga que um Papa não pode abdicar, continua Carreira das Neves, recordando que gostaria que João Paulo II o tivesse feito mas que, depois da sua morte, reconheceu que a sua vida foi um exemplo. "Ele venceu-me porque a sua morte mostrou como levar a cruz até ao fim e foi um exemplo para os nossos dias", esclarece o investigador.
Também o especialista em Direito Canónico Manuel Lourenço considera que a não resignação de João Paulo II foi um "testemunho". Mas que não tinha de ser seguido por Bento XVI, um homem que deixou antever em entrevistas e em livros que não punha de lado a hipótese da resignação. "Este Papa tem feito um esforço para que as pessoas reflictam, através da fé, sobre as mudanças no mundo, sobre a sua continuidade" e esta sua decisão reflecte isso mesmo, defende.
"Este Papa é de um realismo extraordinário e surpreendendo toda a gente ele executou a sua vontade na consciência de que Igreja tem de ser governada com toda a lucidez e toda a força", avalia Victor Feytor Pinto. E se João Paulo II quis dar o exemplo de que é possível morrer com dignidade, "numa época em que se defende a destruição da vida [eutanásia], Bento XVI quer mostrar que apesar da idade é possível ter "consciência para tomar decisões", interpreta o cónego.
Portas abertas para mais jovem?
O cónego Manuel Lourenço lembra que não existe nenhuma regra que diga que o Papa deve morrer em funções. Segundo o Direito Canónico só os padres e os bispos põem os seus lugares à disposição a partir dos 75 anos.
A resignação pode ser uma mensagem aos cardeais que irão escolher o sucessor de Bento XVI que deverão optar por uma pessoa mais jovem? "Gostaria que fosse um Papa bem preparado. Num mundo em movimento e de grandes modificações, é natural que escolham um mais novo, mas o que queremos é que seja uma pessoa capaz", responde Carreira das Neves.
Não tem necessariamente de ser um Papa jovem, dizem Manuel Lourenço e Feytor Pinto, lembrando homens com Leão XIII – eleito aos 80 anos, que governou a Igreja até aos 94, e responsável pela encíclica Rerum Novarum, sobre os direitos e deveres do capital e do trabalho –; ou João XXIII que governou apenas quatro anos e lançou o Concílio Vaticano II, que mudou a Igreja. Portanto, "cada Papa traz a sua missão", defende Feytor Pinto. "Guiado pelo Espírito Santo", acrescenta Manuel Lourenço.
Cabe aos cardeais encontrarem uma "pessoa com perfil capaz de conduzir os destinos exigentes da Igreja neste tempo concreto", conclui Tolentino de Mendonça.
Público