O Papa sublinhou hoje em Estrasburgo, perante os deputados do Parlamento Europeu, a importância das raízes religiosas para a construção do futuro do continente, em defesa da “sacralidade da pessoa”.
“Queridos eurodeputados, chegou a hora de construir juntos a Europa que gira não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis; a Europa que abraça com coragem o seu passado e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com esperança o seu presente”, declarou Francisco, no primeiro dos dois discursos que vai pronunciar na cidade francesa, um dos mais longos do seu pontificado.
O Papa desafiou os representantes dos 28 Estados-membros da União Europeia, com mais de 500 milhões de habitantes, a deixar de parte a ideia de uma “Europa temerosa e fechada sobre si mesma” para promover a “Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé”.
“Estou convencido de que uma Europa que seja capaz de conservar as suas raízes religiosas, sabendo apreender a sua riqueza e potencialidades, pode mais facilmente também permanecer imune a tantos extremismos que campeiam no mundo atual”, assinalou.
Francisco apresentou uma reflexão sobre dois conceitos centrais, “dignidade” e “transcendente”, precisando que a dignidade foi a “palavra-chave” que caraterizou a recuperação após a II Guerra Mundial.
Neste sentido, o Papa perguntou que dignidade existe quando falta a possibilidade de “exprimir livremente o próprio pensamento ou professar sem coerção a própria fé religiosa”.
Francisco recordou, a este respeito, as “numerosas injustiças e perseguições” que atingem diariamente as minorias religiosas, especialmente cristãs, em várias partes do mundo.
“Comunidades e pessoas estão a ser objeto de bárbaras violências: expulsas das suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas, decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio vergonhoso e cúmplice de muitos”, denunciou.
Segundo Francisco, promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui “direitos inalienáveis” de que não pode ser privada por ninguém, “muito menos para benefício de interesses económicos”.
“Que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, o trabalho que o unge de dignidade?”, prosseguiu, numa passagem do discurso sublinhada pelas palmas dos deputados.
O Papa precisou que é necessário associar o conceito de direito ao de dever para, porque cada ser humano está inserido num contexto social, “onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade”.
“Trata-se de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objetos, dos quais se pode programar a conceção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser deitados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos”, advertiu.
Francisco defendeu que é necessária uma abertura ao transcendente para “afirmar a centralidade da pessoa humana”, pois, caso contrário, esta “fica à mercê das modas e dos poderes do momento”.
“Considero fundamental não apenas o património que o Cristianismo deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no futuro para o seu crescimento”, observou.
O Papa sublinhou que esta referência não constitui um “perigo” para a laicidade e para a independência dos Estados-membros, apelando a um “diálogo profícuo, aberto e transparente com as instituições da União Europeia”.
Francisco falou dos cristãos como a “alma”, a “consciência e memória histórica da Europa, numa relação que se projeta para o futuro.
“A Europa tem uma necessidade imensa de redescobrir o seu rosto para crescer, segundo o espírito dos seus pais fundadores, na paz e na concórdia, já que ela mesma não está ainda isenta dos conflitos”, alertou.