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Nessa pequena frase de Jesus dá-se cumprimento ao que Ele pregou durante sua vida pública: um incondicional e extremo amor ao próximo, amor que se concretiza numa profunda atitude de amor pelos inimigos (Mt 5, 44). A dor e sofrimento da cruz não conseguiram diminuir o mais puro e autêntico amor que Cristo tem para com a humanidade. A perseguição infligida pelos homens é respondida por Cristo através de uma morte que redime o homem das trevas do pecado. Jesus nesse momento, não apenas roga pelos que o perseguem, mas ama o coração humano marcado pela mancha do pecado. A cruz é a manifestação de que os homens não conheceram Jesus, mas Jesus além de conhecer nossa humanidade, se entrega e roga por ela junto de Deus. A verdadeira experiência do amor que Cristo teve junto do Pai não poderia ceder espaço para a vingança ou para o ódio, mas para que através da dor o amor pudesse ser mais eminentemente manifestado.
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Seguindo as últimas palavras de Jesus na cruz notamos uma presença no Gólgota de singular importância: a presença da mãe e do discípulo amado de Jesus. Maria é uma mulher forte, corajosa e confiante nos planos de Deus; se no dia da anunciação ela teve a alegria de o receber no seu ventre, agora ela o entrega novamente ao Pai. Na cruz de seu Filho "encerra" a missão de mãe terrena de Jesus, mas uma nova missão é assumida: simbolicamente a Igreja está presente no momento da crucificção através de Maria e João; Maria torna-se mãe do discípulo e de todos os discípulos. Ela agora é mãe da Igreja nascente e João representa cada cristão, de todas as épocas, que recebe a mãe do Senhor como sua mãe. "O último ato de Jesus antes de morrer tem sido formar o povo messiânico, fundar a Igreja na pessoa da mãe e do discípulo amado". Por isso, na adoração da cruz na sexta-feira santa, as duas velas que ficam ao lado da Cruz para ser adorada simbolizam Maria e João que destemidamente estiveram sempre ao lado de Jesus.
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São Lucas coloca no centro de sua narração o anúncio da salvação operada por Cristo, salvação que é a mais plena manifestação do amor de Deus. No diálogo de Cristo com o ladrão o que se deixa notar é o anseio de, mesmo na cruz, Jesus pregar a conversão e a salvação aos homens. Poderíamos nos perguntar: o Crucificado deveria salvar a quem nesse momento de extrema agonia? Humanamente responderíamos que era Ele mesmo, mas ele não salva a si mesmo, mas os pecadores que se convertem e cofiam nele. Assim a cruz se torna local de transfiguração do rosto salvador de Deus. A salvação de Deus é operada não porque ele tira Jesus da cruz livrando-o da vergonha e da humilhação, mas pelo fato de permanecer mesmo nas horas mais extremas fiel ao amor. A salvação vem para aqueles que estão abertos aos planos de Deus: o primeiro ladrão se associou aos chefes e soldados, ele queria, assim como muitos judeus, uma manifestação talmatúrgica (espetacular) de Jesus, já o segundo mostra numa atitude de piedade a confiança em Cristo. "O ‘lembra-te de mim' é uma oração que, na tradição religiosa bíblica e judaica, os moribundos e os homens perseguidos pela desgraça dirigem a Deus". Detalhe: Jesus é reconhecido por ele num momento de extrema humilhação e rebaixamento, num momento em que Jesus é visto como um "derrotado". Jesus se dirige ao ladrão decidido: garante-lhe a salvação ainda hoje por causa desse lindo gesto de arrependimento e volta do coração ao Senhor. Da boca de Jesus crucificado é escutado o pronunciamento de salvação para todos aqueles que se convertem e se arrependem de seus pecados. Esse fato não é contraditório com a vida de Jesus, pois ele "veio procurar o que estava perdido, chamar os pecadores à conversão" (Lc 5, 32). "Não há situação humana de miséria e de pecado que exclua alguém da salvação; também para o bandido que morre por causa de seus delitos há esperança de futuro".
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Será que Jesus realmente foi abandonado pelo Pai? Será que até o próprio Filho de Deus passou pelo crivo do juízo final? Não. O seu grito foi o extremo brado de toda a humanidade que, não raras vezes, se sente abandonada. Seu clamor ecoa toda a experiência da Antiga Aliança, onde vemos que muitas vezes os profetas e patriarcas também gritaram ao único Deus capaz de socorrê-los. Seu brado conservado em aramaico, além de confirmar a verdade histórica mostra que não houve um abandono real por parte do Pai, mas sim uma sensação de abandono devido às circunstâncias extremas, pois, quanto mais amamos alguém e nele confiamos, mais atroz resulta a sensação de abandono.
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Como vemos Jesus pede para ser saciado de uma das necessidades vitais do ser humano: a sede. Contudo, a palavra grega usada pelo evangelista "dipsao" não expressa somente uma sede normal, mas, um "arder de sede". Sua sede, contudo, não fora saciada com água, mas com o acrimonioso vinagre dos nossos pecados. Experimentando o sabor final do pecado, sofre como se Ele fosse responsável por tudo o que houvesse acontecido. Sofre o abandono próprio dos pecadores. Ardendo em sede sofre não só as penas do pecado, mas também a culpa destes. Porém, sua ardente sede será saciada não com o amargo vinagre dos pecados por ele assumido, mas com água cândida da ressurreição que conduz a eternidade.
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A cena da morte é dominada pela idéia do cumprimento. Esta frase não quer dizer o fim de tudo, mas inicio de um todo salvífico que encerra com sua morte, inclusive e com ela inicia, exclusive. Vemos que a vontade do Pai foi realizada, em tudo perfeitamente. A cruz é momento no qual vemos a perfeita obediência de Jesus a vontade do Pai, a revelação do amor e a construção de uma comunhão. Pela obediência nos da a salvação; pelo amor nos conduz a plenitude e pela comunhão nos faz o novo povo de Deus, que a partir de agora, não se perde na promessa, mas se encontra na efetivação plena do que Deus houvera prometido. A cruz torna-se assim, não um gesto como os outros, um cumprimento qualquer das Escrituras, mas o termo de toda a ação salvadora do pai para com os seus filhos. Sendo a cruz é a manifestação extremada de um amor infinito que o Pai e o filho possuem pela obra da criação.
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Que coisa era consumada senão aquela que a profecia tanto tempo já havia predito? Santo Agostinho disse: "Uma vez que não permaneceu nada que, agora se devesse compreender antes de sua morte, e já que tinha o poder de dar a sua vida e retomá-la (Jo 10,18) fazendo se cumprir tudo aquilo que esperava que se cumprisse, abaixando a cabeça entrega o espírito." Ao entregar o seu espírito, a obra do Pai foi levada a termo pelo sacrifício. Sacrifício este que, ao contrário dos sacrifícios da Antiga Aliança que eram oferecidos pelos homens e não mudavam sua realidade objetiva, torna-se agora sacrifício oferecido pelo próprio Pai que dá seu único Filho em sacrifício para consumar a obra da salvação, que nas palavras de Cristo expressa a majestade de sua missão consumada não somente em seus ditos, mas finalizada na eximia Cátedra de sua missão: a cruz!