O Papa Francisco disse esta quinta-feira que a terra, a habitação e o trabalho são "direitos sagrados" pelos quais vale a pena luar.
Foi num,encontro com representantes de movimentos populares, normalmente de ideologia de esquerda e muito comuns na América Latina, que o Papa pediu mudanças reais no sistema global.
"A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, tecto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra", disse Francisco, logo a abrir o discurso mais longo que fez nesta sua viagem à América Latina.
"Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos nós que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco."
Francisco pediu aos representantes dos movimentos uma "globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença".
"Quando o capital se torna um ídolo"
O Papa voltou, neste encontro, a criticar a economia que instrumentaliza o homem: "Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecónomico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum".
Contudo, perante os activistas, Francisco insistiu que não basta mudar estruturas. "Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. Por isso, gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos."
Como modelo, o Papa propôs aos presentes Nossa Senhora "uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem tecto que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça".
Três tarefas
De seguida, Francisco falou de três grandes tarefas que cabem aos movimentos populares no sentido de alcançar a mudança.
"A primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos. Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro. Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra. A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum."
Todos juntos, diz Francisco, devemos trabalhar por uma economia diferente. "Uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de actividade e ter acesso a uma digna aposentação na velhice", disse, concluindo: "Vós – e outros povos também – resumis este anseio duma maneira simples e bela: 'viver bem'. Esta economia é não apenas desejável e necessária, mas também possível."
O Papa fez ainda questão de ligar o que dizia a um dos fundamentos da doutrina social da Igreja. "O destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando afecta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas."
A segunda tarefa, diz Francisco, é a unidade dos povos. Aqui o Papa falou mais especificamente sobre a realidade da América Latina, elogiando o facto de os governos da região terem estado a trabalhar mais em colaboração nos tempos recentes, mas disse ainda que "nenhum poder efectivamente constituído tem direito de privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que afectam seriamente as possibilidades de paz e justiça".
Estas novas formas de colonialismo não se limitam à acção dos governos. "A concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adopta o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico", sublinhou Francisco.
Neste contexto, o Papa aproveitou para realçar o pedido de perdão por parte da Igreja por todos os crimes cometidos em seu nome ao longo da história, em particular contra os povos indígenas da América Latina, onde se encontra para uma visita de dez dias, que para além da Bolívia, onde se encontra, contou também com uma passagem pelo Equador e terminará no Paraguai.
Como terceira tarefa, o Papa insistiu na defesa da "Mãe Terra", remetendo para a sua mais recente encíclica sobre a ecologia e dizendo que a covardia em defender o planeta é mesmo "pecado grave".
"Continuai com a vossa luta"
Terminando, Francisco mostrou-se solidário com os activistas. "Estou convosco. Digamos juntos do fundo do coração: nenhuma família sem tecto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra."
Esta foi a segunda vez que Francisco se encontrou com representantes dos chamados movimentos populares, a primeira tinha sido em Roma durante um encontro mundial destas organizações em Itália.