Morreu aos 95 anos de idade na passada Quinta-feira, 16 de Março, Dom Francisco da Mata Mourisca, Bispo emérito do Uíge, que foi sepultado neste Sábado 25 de Março, na Sé Catedral da Diocese do Uíge.
Dom Francisco da Mata Mourisca, chamado no baptismo José Moreira dos Santos, filho de Francisco dos Santos e de Olinda de Jesus Moreira, nasceu a 12 de Outubro de 1928, na freguesia de Mata Mourisca, concelho de Pombal, distrito de Leiria e diocese de Coimbra. Entrou para o Seminário Seráfico da Ordem dos Franciscanos Capuchinhos a 10 de Outubro de 1941, onde vestiu o hábito religioso a 13 de Agosto de 1944 em Barcelos e emitiu os votos religiosos a 15 de Agosto do ano seguinte. Continuou em Barcelos onde fez os estudos de Filosofia (1945-1947) e, em 1948, foi para Espanha cursar Teologia no Convento de Saragoça e Pamplona. Neste Convento de Pamplona (Extramuros) emitiu, a 11 de Dezembro de 1949, os votos perpétuos. Veio, depois, para o Porto onde, em 1952, concluiu os estudos teológicos. Foi ordenado sacerdote na Capela do Convento do Tronco (Porto) no dia 20 de Janeiro de 1952 por Dom Policarpo da Costa Vaz, Bispo Auxiliar do Porto.
Em Agosto de 1952 foi nomeado professor no nosso Seminário de Vila Nova de Poiares, dedicando-se também ao apostolado e à pregação, devendo-se-lhe a fundação da «Juventude Unida Poiarense». Em Setembro de 1953 veio para o Tronco tomar conta do Colégio de Teologia com os cargos de director e lente dos estudantes, além do ofício de vigário no Convento e director da revista «Paz e Bem».
Em fins de Setembro de 1955 partiu para Salamanca a fim de frequentar a Universidade Pontifícia e aí, em Junho de 1957, obteve a licenciatura em sagrada Teologia com a qualificação de «Summa Cum Laude Probatus»; enquanto permaneceu no Convento de Salamanca prestou bons serviços aos Religiosos castelhanos dessa Comunidade com a pregação, feita em espanhol, e com a direção e orientação da cantoria.
Tendo regressado a Portugal, dedicou-se durante alguns meses à pregação, ministério em que atingiu justa evidência e, a 1 de Outubro de 1957 foi nomeado guardião do Convento de Noviciado de Barcelos e, nos três anos que aí permaneceu, além de se dedicar com frequência à pregação, melhorou consideravelmente a Igreja de Santo António pelas obras nela realizadas e pelo aumento notável na frequência dos fiéis. Colaborou ainda, com muita aceitação e louvor, no semanário «O Barcelense» e, ao retirar-se do Convento de Barcelos para dirigir o Comissariado, deixou na boa gente daquela cidade sentidas saudades.
Em 1960 mudou-se para o Porto para exercer o ofício de Vice-Comissário Provincial, director do nosso Seminário Maior, professor e director da revista «Paz e Bem» mas em 1961, em carta datada de 7 de Julho, foi nomeado pelo Ministro Geral, Fr. Clemente de Milwaukee, novo Comissário Provincial dos Capuchinhos de Portugal, cargo que exerceu de 22 de Julho desse ano até 1967 e passando, então, a residir em Lisboa, na Cúria Provincial.
Além do governo do Comissariado, dedicou-se a outras lides, como o ofício de primeiro director do Instituto de Pastoral, iniciativa da CNIR (Conferência Nacional dos Institutos Religiosos) em Lisboa e, em 1965, como Presidente dessa mesma Conferência (cargos que desempenhou até 1967). Distinguiu-se, sobremaneira, no apostolado da Palavra, onde granjeou justo renome e merecida admiração em todo o país.
Em 1964, durante a sua visita canónica à Missão do Caxito, em Angola, foi estudada a possibilidade de criar as condições jurídicas para ser erigida uma Missão Regular dos missionários portugueses e, aproveitando a sua estadia, a convite do Superior Regular das Missões Italianas, pregou uma missão popular em Luanda, como preparação das festas da inauguração da nova igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Foi, entretanto, confirmado no cargo de Comissário Provincial para o triénio 1966-1969, mas foi interrompido em 1967 quando SS Santidade, o Papa Paulo VI, no dia 17 de Março desse ano, criou a nova diocese de Carmona – São Salvador, no Norte de Angola e nomeou como primeiro Bispo da mesma, o Padre Fr. Francisco da Mata Mourisca, com apenas 39 anos de idade sendo, neste particular, dos mais jovens sacerdotes a ser elevado ao episcopado. A ordenação episcopal realizou-se na igreja dos Capuchinhos do Amial, Porto, no dia 30 de Abril de 1967, sendo Bispo sagrante o Senhor Núncio Apostólico, Dom Maximiliano de Furstemberg.
Dom Francisco da Mata Mourisca, partiu para Angola no dia 27 de Julho de 1967 e, a 30 desse mês, tomou posse oficial da recém-criada nova diocese, hoje denominada Diocese do Uíje.
Ao tomar conta da sua diocese encontrou tudo por fazer. Procurou dotá-la das infra-estruturas físicas indispensáveis para o seu eficaz funcionamento. Construiu o edifício da Casa Episcopal e do Seminário diocesano, os Colégios de Sanza Pombo e do Bungo, a Escola dos Professores de Posto, a funcionar no Seminário. Esta seria, aliás, a única Escola de Ensino Médio que continuou a funcionar em pleno durante os dois anos do chamado "cativeiro" da UNITA. Em 1975, o Seminário diocesano, as Escolas e os Colégios foram "ocupados" pelo Governo do MPLA. Acabariam por ser devolvidos à diocese em 1988 em lastimoso e degradado estado de conservação.
De salientar também a construção da Escola Diocesana de Catequistas Rurais (dois anos de formação) com resultados altamente positivos já que dessa Escola têm saído os grandes Animadores de muitas comunidades cristãs em vastas áreas da diocese.
Entre outras, a ele se ficou a dever a construção da igreja de Nossa Senhora de Fátima no Uíje, a primeira fase da igreja de São Francisco na mesma cidade, as igrejas do Puri e do Songo, e a residência paroquial da Missão do Quitexe. Prestou grande apoio pastoral e logístico ao Movimento AFRIS — Movimento apostólico de missionários leigos empenhados em trabalhar na promoção humana, a todos os níveis, do povo angolano.
Em 19 de Julho de 1992 celebrou as Bodas de Prata Episcopais com os seus diocesanos de Angola e no seguinte 15 de Novembro, em Portugal, com os seus amigos e conterrâneos da Ilha, Pombal.
Em 1997, deu-se a destruição da Sé Catedral provocada por um incêndio. Logo D. Francisco lançou mãos, congregando e unindo esforços para se reconstruir e a ampliar a sua Sé Catedral.
É de assinalar também a criação da escola de formação de professores (mais tarde Instituto Médio Normal de Educação Cor Mariae) e de outros estabelecimentos de ensino quase em todas as missões da sua diocese. Destas escolas saíram muitos quadros nativos, que passaram a exercer cargos de grande responsabilidade no país e no estrangeiro.
Montou uma Tipografia no Uíje inicialmente destinada à composição e impressão de livros e de outros subsídios pastorais destinados à ação evangelizadora e catequética da diocese, mas que depois acabaria também por executar trabalhos para os serviços do Estado e para outras entidades singulares e colectivas.
Nos anos que se seguiram à Independência de Angola em 1975, foi espoliado pelo poder político duma Fazenda perto do Negage que nunca mais seria devolvida á diocese. Mas na década de 80, autorizado pelo Governo angolano, recuperou na sua totalidade uma Fazenda situada a 20 km do Uíje. Além de comercializar o café que produz, esta Fazenda abastece de produtos lácteos, vegetais e animais não só o Seminário do Uíje e Escolas da diocese, mas também uma fatia significativa da população da cidade.
Com a ajuda de uma Organização Alemã não governamental, lançou uma grande campanha para combater e minorar os efeitos da doença do sono, provocada pela picadela da mosca “tsé-tsé” – doença que muito flagelou várias zonas da população de Angola. Nesse sentido, abraçou o Projecto ANGOTRIP para, entre outras iniciativas, construir hospitais para doentes do sono, em Quitexe, Negage e Uíje, constituindo também espaço para estudo, prevenção e profilaxia dessa doença.
Foi também o Presidente da “Cáritas de Angola” e nessa qualidade acabou por tomar parte no Iº Encontro Internacional das Cáritas dos Países Lusófonos, que se realizou em Fátima.
Como membro da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé), exerceu durante vários mandatos o cargo de Secretário-Geral, Foi ainda Presidente do Movimento "Pro Pace". Nessa qualidade, organizou em Luanda dois Congressos Nacionais PRO PACE, aberto a todas as sensibilidades religiosas, políticas, sociais e culturais. Foi o seu principal promotor e organizador.
Depois de ter governado a Diocese durante 41 anos (1967-2008) D. Francisco, agora com a idade de 79 anos, continuou a residir no Uíje como bispo emérito. Mesmo assim, continuou a servir a Igreja de Angola exercendo, a pedido da CEAST, o cargo de Presidente da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso, além de se dedicar, também, ao apostolado da escrita.
Quando se jubilou (deixou de ser Pastor da Diocese no dia 3 de Fevereiro de 2008), fez a passagem do testemunho pastoral e episcopal com a sensação do dever cumprido, como pacificador e porta-voz na mensagem de Deus. Perseverança, dedicação e amor, fez dele um dos bispos mais queridos da Igreja Católica em Angola. Na sua última homília como Bispo da diocese do Uíge, D. Francisco disse que Deus concede a vocação, tanto em tempo de paz, como em tempo de guerra. “A fidelidade à vocação é que não está a acontecer da mesma forma, tudo porque, em tempo de paz, as ilusões seduzem com mais facilidade”, mas apelou aos fiéis a seguirem sempre os ensinamentos de Deus, bem como a cultivarem o respeito e o carinho para com o novo Bispo.
Desde o primeiro momento da sua chegada a Angola, D. Francisco soube encarnar sempre os valores do povo uijense, tornando-se, de corpo e de espírito, um autêntico angolano que, ao longo dos anos, se preocupou sempre em defender e promover os valores do seu rebanho, abordados em várias vertentes: tradição, religião, família, cultura, política, entre outros, trabalhando, incansavelmente, em defesa da verdade, da justiça e da paz, não olhando para a raça, cor, língua, credo político ou confissão religiosa e cultivando, assim, uma visão equilibrada e real sobre a situação do país e de toda a sociedade angolana. Inteligente e comunicador sábio, falante fluente do kikongo, promoveu muitas iniciativas sócio-caritativas, como a assistência aos deslocados, crianças rejeitadas pelas famílias e acusadas de feiticeiras – uma praga que afectava a sua diocese e, como resultado prático, fundou o Lar de São José, uma casa destinada a acolher essas crianças rejeitadas –, a construção e reconstrução de instituições hospitalares e de ensino, e ainda foi fundador de um instituto religioso feminino, as “Irmãs Mensageiras de Cristo”.
Soube, particularmente durante o doloroso período da guerra civil, enfrentar os políticos angolanos, numa perspectiva de diálogo imparcial, convidando-os a pensar no seu povo, trabalhando para que este mesmo povo pudesse viver na justiça e na paz. Perante o quadro desastroso provocado pela situação ingrata e perigosíssima que o país conheceu, D. Francisco nunca se escondeu, pelo contrário, abriu as portas da sua diocese para dar o apoio necessário aos mais necessitados do povo, sem olhar a partidarismos, no contexto de uma pastoral sócio-caritativa. Reuniu e publicou o conteúdo de cartas que enviou ao Governo, à UNITA, à ONU, sempre em defesa das populações e a favor da reconciliação num período muito conturbado, em termos político militares, no Uíje. Chegou a afirmar: “Angola ainda só tem duas instituições a funcionar com eficácia: a guerra e a Igreja. A primeira, causando desgraças ao povo; a segunda, procurando remediá-las”.
Conhecido como sendo um homem de trato fácil, solidário e afável, soube encontrar nos momentos de maior tensão política e social novas portas da diplomacia, embora difíceis e imprevisíveis, procurando unir vontades, sempre com determinação e firmeza – como atesta a Missão de Verificação da ONU, em 1996, na qual o Cor. Cristian Crampita revela a sua gratidão a D. Francisco pela “atitude sempre amiga e cordial para com os representantes da UNAVEM, pela valiosa e prestimosa cooperação no interesse comum de obtenção da Paz em Angola pelo que nunca esquecerei a sua elevada personalidade e o seu bom e extraordinário espírito empreendedor… na árdua tarefa, incansável e profícua intervenção junto da população e entidades locais, demonstrando quanto Grande e Bom é”.
Também em 1996, durante um encontro da “Associação dos Amigos do Uíge” em Portugal, o Cor. Rebocho Vaz revelava a sua admiração por D. Francisco: “Bom Pastor! O grande Pastor que Deus um dia escolheu e enviou para o Uíge, com uma e todas as boas missões que se podem cumprir na Terra! Eu conheci-o ainda antes da sua nomeação oficial para Bispo do Uíge. Talvez eu tenha sido das poucas pessoas que, nesse distrito, o viram à “maneira capuchinha”, isto é, com uma “pera” e um “bigode” no rosto que me fizeram recordar algumas pinturas dos nobres italianos. Já irradiava simpatia e um ar feliz de quem se estava a preparar para o cumprimento de uma missão especial que Deus lhe tinha atribuído! Possivelmente já nessa altura Deus lhe tinha transmitido os sacrifícios que iria ter de fazer dentro de breves anos. Mas esses sacrifícios, eram para o Pastor das muitas almas que lhe tinham sido confiadas como as de filhos espirituais, missões à altura do valor do seu próprio coração e da espiritualidade que constitui a essência do seu ser”.
Na sua terra de nascimento, foi homenageado com uma artéria local: “Avenida Dom Francisco da Mata Mourisca”.
Pastor dedicado e comprometido com os mais pobres, colocou-se sempre ao lado dos mais frágeis e vulneráveis da sociedade, sendo Angola testemunha da presença de um dos mais fiéis seguidores de São Francisco de Assis, o Santo da Paz.
É autor de vasta obra literária, mormente, de carácter teológico-pastoral e doutrinal, com vários livros publicados: “Na Hora dos Leigos”; “Lar Feliz”; Catecismo Bíblico”; “O Materialismo e a Ciência”; “Socialismo Científico e Cristãos Comunistas”; “Manual Bíblico da Fé”; “Eu Creio em Deus”; “Eu Amo a Deus”; “Eu Espero em Deus”; “Vida de Fé”; “Vida de Esperança”; “Vida de Amor”; “Discípulos de Cristo”; “Apóstolos de Cristo”; “Fome”; “Caminhos do Homem”; “Surpresas Bíblicas?”; “Católicos e Protestantes”; “Lágrimas e Sorrisos”; “Homens Novos”; “Cartas Políticas ou Cartas de Amor?” (1996); “Contra a Cultura da Violência” (1999); “Protagonistas do III Milénio” (2001); “Angola, Escândalo da Paz” (2001); “ “Considerações «Pro Pace»” (2003); “África Renascida – Políticas sine quibus non” (2004); “Por Amor de Angola” (2007); “Escândalo da Justiça”; “Lágrimas e Sombras: recordação de Angola”; “Os Autênticos” (2007) “Violinos de Deus”; “Maravilhas da Fé” (2012); “Entrevistas dum Bispo”; “Um Retrato de Jesus” (2015); “Ou Santos ou Palermas”; “Advérbios da Vida Consagrada”; “Mensagem Lírica” (2017); “Auto-Retrato da Virgem Maria”. Em 1983 fez publicar na sua diocese o “Sambu Kia Lumingu” (Missal Dominical em Kikongo, um trabalho do P. Afonso Nteca).
Milhares de Fiéis de todas as Dioceses de Angola, participaram na missa que deram o último adeus ao bispo emérito da Diocese do Uíge.
Celebrou Dom José Manuel Imbamba, Presidente da CEAST e Arcebispo de Saurimo e concelebraram os bispos da CEAST e sacerdotes de todo país.
Coube ao Bispo da Diocese do Uíge proferir a Homilia.
Dom Nyanganga Tchombe destacou a vida e obra de Dom Francisco da Mata Mourisca, como figura humilde que apesar de ter feito muito pela igreja e para a sociedade, ainda assim nunca se sentiu confortável com homenagens à sua pessoa, considerando-se a si mesmo, sempre como servo inútil.
O bispo do Uíge recordou que seu antecessor ensinou e viveu o evangelho durante o seu ministério episcopal.
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