O Dicastério para a Doutrina da Fé (Santa Sé) reafirmou hoje a validade da declaração ‘Fiducia supplicans’, divulgada no último mês de Dezembro, sublinhando que nenhuma conferência episcopal pode impedir um sacerdote de abençoar “casais em situação irregular”.
“A prudência e a atenção ao contexto eclesial e à cultura local poderiam admitir diversas modalidades de aplicação, mas não uma negação total ou definitiva deste caminho que é proposto aos sacerdotes”, refere um comunicado enviado hoje à imprensa pelo organismo da Cúria Romana.
O texto é assinado pelo cardeal Víctor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, e por mons. Armando Matteo, secretário para a Secção Doutrinal, abordando várias questões levantadas pela declaração, que prevê a possibilidade de abençoar casais em segunda união ou uniões de pessoas do mesmo sexo.
“Cada bispo, na sua diocese é autorizado pela declaração ‘Fiducia supplicans’ a ativar este tipo de bênçãos simples, com todas as recomendações de prudência e de atenção, mas em nenhum modo é autorizado a propor ou a ativar bênçãos que possam assemelhar-se a um rito litúrgico”, precisam.
Podemos ajudar o Povo de Deus a descobrir que este tipo de bênção é um simples canal pastoral que ajuda as pessoas a manifestar a própria fé, ainda que sejam grandes pecadores. Por isso, ao dar esta bênção a duas pessoas, que juntas se aproximam para implorá-la espontaneamente, não as estamos a consagrar, nem nos estamos a congratular com elas, nem estamos a aprovar o seu modo de união”.
Os responsáveis consideram “compreensíveis” as tomadas de posição de algumas Conferências Episcopais, sublinhando que estas reações “têm o valor de evidenciar a necessidade de um período mais longo de reflexão pastoral”.
“A declaração contém a proposta de breves e simples bênçãos pastorais (não litúrgicas, nem ritualizadas) de casais irregulares (não das uniões), sublinhando que se trata de bênçãos sem forma litúrgica, que não aprovam nem justificam a situação em que se encontram essas pessoas”, pode ler-se, na nota enviada à Agência ECCLESIA.
“Alguns bispos, por exemplo, estabeleceram que cada sacerdote deve realizar o discernimento, mas poderá dar essas bênçãos apenas de modo privado. Nada disso é problemático, se é expresso com o devido respeito por um texto assinado e aprovado pelo próprio Sumo Pontífice, buscando de algum modo acolher a reflexão nele contida”, acrescenta o comunicado.
Segundo o Dicastério para a Doutrina da Fé, o que foi expresso por essas Conferências Episcopais – entre elas as de Moçambique e a CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé) “não pode ser interpretado como uma oposição doutrinal, porque o documento é claro e clássico a respeito do matrimónio e da sexualidade”.
O Vaticano pede que se lute contra a criminalização da homossexualidade, com “formação, defesa da dignidade humana, ensino da Doutrina Social da Igreja e diversas estratégias que não admitem pressa”.
“Os documentos do Dicastério para a Doutrina da Fé, como ‘Fiducia supplicans’, podem requerer, nos seus aspectos práticos, mais ou menos tempo para a sua aplicação, segundo os contextos locais e o discernimento de cada bispo diocesano com a sua diocese. Nalguns lugares não existem dificuldades para uma aplicação imediata, noutros há a necessidade de não inovar nada enquanto se toma todo o tempo necessário para a leitura e a interpretação”, sustenta o Vaticano.
A nota de imprensa pede que seja tida em atenção o “contexto” de algumas declarações dos episcopados, realçando que “em diversos países existem fortes questões culturais e até mesmo legais que requerem tempo e estratégias pastorais, a longo prazo”.
“Se existem legislações que condenam à prisão e, em alguns lugares, à tortura e até à morte, o simples fato de declarar-se homossexual, entende-se que seria imprudente uma bênção. É evidente que os bispos não queiram expor as pessoas homossexuais à violência”, explica o documento distribuído à imprensa.
Permanece importante, porém, que estas Conferências Episcopais não sustentem uma doutrina diferente daquela da declaração aprovada pelo Papa, enquanto é a doutrina de sempre, mas sobretudo que proponham a necessidade do estudo e do discernimento para agir com prudência pastoral num tal contexto”.
Segundo o Vaticano, a “verdadeira novidade desta declaração” não é a possibilidade de abençoar “casais irregulares”, mas “o convite a distinguir duas formas diferentes de bênção”, ou seja, as “litúrgicas ou ritualizadas” e as “espontâneas ou pastorais”.
“O tema central, que convida particularmente a um aprofundamento que enriqueça a prática pastoral, é a compreensão mais ampla das bênçãos e a proposta de aumentar as bênçãos pastorais, que não exigem as mesmas condições daquelas realizadas num contexto litúrgico ou ritual”, sublinha o comunicado de imprensa.
O Dicastério para a Doutrina da Fé sustenta que está a responder a um pedido do Papa para “pensar um modo de abençoar que não implique tantas condições para realizar este gesto simples de proximidade pastoral”.
“Se se aproximam juntas duas pessoas para pedi-la, simplesmente implora-se, ao Senhor, paz, saúde e outros bens para estas duas pessoas que as pedem. Ao mesmo tempo, implora-se que possam viver o Evangelho de Cristo em plena fidelidade e que o Espírito Santo as livre de tudo que não corresponde à vontade divina e de tudo que requer purificação”, indica a nota.
O Vaticano assume a necessidade de “uma catequese” que ajude a entender que este tipo de bênção “não é uma ratificação da vida que levam aqueles que a imploram”.
“Teremos de habituar-nos, todos, a aceitar o facto que, se um sacerdote dá este tipo de bênçãos simples, não é um herético, não ratifica nada, não está a negar a doutrina católica”, insiste o dicastério.
Os responsáveis da Doutrina da Fé concluem com votos de que um maior desenvolvimento destes temas possa ajudar os ministros da Igreja Católica a ser “mais livres e talvez mais próximos e fecundos, com um ministério pleno de gestos de paternidade e de proximidade, sem medo de ser mal-interpretados.
Esta forma de bênção não ritualizada, com a simplicidade e a brevidade de sua forma, não pretende justificar algo que não seja moralmente aceitável. Dado que alguns manifestaram dúvidas sobre como poderiam ser estas bênçãos, vejamos um exemplo concreto. Imaginemos que, no meio de uma grande peregrinação, um casal de divorciados em nova união diz ao sacerdote: “Por favor, dê-nos uma bênção, não conseguimos encontrar trabalho, ele está muito doente, não temos casa, a vida está a tornar-se muito pesada, que Deus nos ajude!”. Neste caso, o sacerdote pode recitar uma simples oração como esta: ‘Senhor, olha para estes teus filhos, concede-lhes saúde, trabalho, paz e ajuda recíproca. Livra-os de tudo aquilo que contradiz o teu Evangelho e concede-lhes que vivam segundo a tua vontade. Amen’. E conclui com o sinal da cruz sobre cada um deles. Trata-se de 10 ou 15 segundos. Faz sentido negar este tipo de bênção a essas duas pessoas que a imploram? Não é o caso de sustentar a sua fé, pouca ou muita que seja; de ajudar a sua fraqueza com a bênção divina e de dar um canal a esta abertura à transcendência, que poderia conduzi-las a ser mais fiéis ao Evangelho? Comunicado à imprensa sobre a recepção da ‘Fiducia supplicans’, Dicastério para a Doutrina da Fé OC |