Era pertinente a pergunta que aquele doutor da Lei fazia a Jesus: “Qual o maior mandamento da Lei?” De facto, meio perdidos entre os seiscentos e treze preceitos e mandamentos que os fariseus encontravam nos livros sagrados, e com as inúmeras interpretações de rabis conceituados, queriam saber a resposta de Jesus. A vida de cada pessoa não é também a descoberta do que é mais importante, daquilo que tem valor e pelo qual nos esforçamos e trabalhamos? É maravilhoso ver como uma criança capta o que é importante para os seus pais e educadores! Concretizar a escala de valores que escolhemos é a aventura da vida!
Não houve grande surpresa na primeira parte da resposta de Jesus. O auditório deve ter acenado com a cabeça ao ouvir o mandamento conhecido e repetido tantas vezes! Amar a Deus era a “especialidade” do judaísmo. Claro que esse amor a Deus justificava ainda os sacrifícios de animais, os julgamentos por apedrejamento, o legalismo dos dízimos, a subjugação ao sábado, o escrúpulo das purificações, o ritualismo exacerbado, a exclusão dos estrangeiros. Infelizmente muita coisa má se justificou, e justificará, em nome do “amor a Deus”! Jesus surpreende ao unir ao primeiro mandamento um segundo que aparece no livro do Levítico (19, 18): “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Coloca-o como outra face da mesma moeda; não se pode viver um sem o outro.
Ao colocar o amor como fundamento da lei, unindo o amor a Deus e o amor ao próximo, Jesus relativiza tudo o resto a que associamos habitualmente a religião. É o amor que nos faz sair de nós mesmos, do desejo imediato de poder e de riqueza, do orgulho de julgar e condenar, da presunção de ser melhor e estar acima dos outros, da falsa salvação de nos julgarmos muito religiosos. Amar é sair: sair ao encontro de Deus (mesmo dentro de nós), descalçando as sandálias da autosuficiência, sair ao encontro do próximo, de mãos e coração aberto para dar e receber, para sofrer e fazer festa. Se nos tornamos insensíveis aos outros, duros de mente e coração, obcecados com o que não é essencial, como habitará em nós a alegria, a paz e a esperança, que é o que Jesus traz a quem se deixa amar por Ele?
Por estes dias difíceis o amor ao próximo implica rever o modo como possuímos e partilhamos os bens, olhar de frente as injustiças que geram riquezas escandalosas, questionar o culto que o consumo supérfluo instituiu. Aprender de Cristo as consequências do amor. Pois como diz o teólogo Hans Urs von Balthasar (no livro que recolhe nesta frase o título), “aos olhos do mundo, só amor é digno de fé”!