Teve lugar nesta terça-feira, no Vaticano, uma conferência de imprensa sobre a preparação da assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos que se vai realizar em outubro do próximo ano tendo como tema “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”. Intervieram: o Relator Geral desta assembleia sinodal - cardeal Peter Erdo, arcebispo de Budapeste; - D. Lorenzo Baldisseri, Secretário do Sínodo dos Bispos; e - D. Bruno Forte, arcebispo de Chieti, Secretário Especial para este Sínodo.
Foi divulgado entretanto o Documento de Preparação, que inclui um questionário com 38 quesitos que se deseja possam favorecer uma ampla consultação das bases, a começar pelos casais e famílias e pelas paróquias em geral. O texto integral, em português, deste Documento pode ser consultado no nosso site, na secção “Mensagens e Documentos”.
Sobre o conteúdo deste Documento e as novidades que de certo modo ele representa, vejamos a leitura que dele deu, na conferência de imprensa de hoje, D. Bruno Forte.
O tema escolhido pelo Santo Padre para a próxima Assembleia Geral Extraordinária é: Os desafios pastorais para a família no contexto da evangelização. Gostaria de sublinhar dois aspectos.
O primeiro diz respeito à atenção prioritária à evangelização, à qual tudo se deve orientar no ser e no agir do povo de Deus. A Igreja não existe para si mesma, mas para a glória de Deus e a salvação dos homens, e é chamada para levar a alegria do Evangelho. Esta alegria deve ser proclamada a todos, começando pela família, célula decisiva da sociedade e da própria Igreja.
O segundo aspecto que gostaria de destacar é a dimensão "pastoral" , acentuado na formulação do tema, a perspectiva com a qual o Santo Padre nos convida a olhar o valor e os desafios da vida familiar hoje. Se poderia definir esta dimensão com as palavras que o Beato João XXIII, anotava no seu diário no dia 19 de Janeiro de 1962, no clima de preparação próxima do Concílio: "Olhar tudo à luz do ministério pastoral , ou seja, almas para salvar e edificar”.
Não se trata, enfim, de debater questões doutrinais, aliás já tornadas explícitas pelo
Magistério também recente (do Concílio Vaticano II na Constituição Pastoral Gaudium et spes 47-52, à Exortação Apostólica Familiaris Consortio, de João Paulo II, em 1981), mas sim de compreender como anunciar eficazmente o Evangelho da família no momento em que estamos a viver, marcado por uma evidente crise social e espiritual.
O convite que daí resulta para toda a Igreja é de nos colocarmos em escuta dos problemas e das expectativas que tantas famílias vivem hoje, mostrando proximidade para com elas e propondo-lhes de forma credível a misericórdia de Deus e a beleza de responder à sua chamada. Em particular, num contexto como o da chamada "modernidade líquida" (Zygmunt Bauman), em que já nenhum valor parece definido e a instituição da família é muitas vezes contestada, se não completamente rejeitada, torna-se particularmente significativo mostrar os caracteres profundamente humanizantes da proposta cristã sobre a família, que nunca é contra ninguém, mas sempre e exclusivamente a favor da dignidade e da beleza da vida de todo o homem, em cada homem, para o bem toda a sociedade .
Como tinham afirmado os Padres do Vaticano II, a família é uma "escola de humanidade mais rica", no qual " , na qual “as várias gerações se encontram e se ajudam mutuamente a alcançar uma sabedoria humana mais completa e a compor convenientemente os direitos da pessoa
com as outras exigências da vida social "(Gaudium et Spes 52). Nesta linha, o
Documento preparatório da próxima Assembleia Sinodal afirma: " A doutrina da fé
sobre o matrimónio deve ser apresentada de modo comunicativo e eficaz, para que ela seja capaz de atingir os corações e transformá-los segundo a vontade de Deus manifestada em Cristo Jesus" (DP II).
Atenção, acolhimento e misericórdia constituem o estilo de que o Papa Francisco dá testemunho e que pede que se tenha para com todos, incluindo as famílias dilaceradas e quem vive situações irregulares do ponto de vista moral e canónico. Insiste sobre “a misericórdia divina e a ternura em relação às pessoas feridas, nas periferias geográficas e existenciais”.
Sem dúvida que não é fácil viver em plenitude o Evangelho da família, muitas vezes em condições de existência que tendem a minar até mesmo os melhores esforços: pense-se - na fragilidade psicológica e afectiva nas relações familiares; - no empobrecimento da qualidade das relações, convivendo com casais aparentemente estáveis e normais; - no stresse originado pelos ritmos hoje em dia impostos pela organização social, pelos tempos de trabalho, pelas exigências de mobilidade. Torna-se mais vital do que nunca conjugar o empenho quotidiano na família com condições que a apoiem tanto na sociedade civil como na comunidade eclesial, motivando a beleza e a fecundidade da fé na sacramentalidade do matrimónio e no poder terapêutico da penitência sacramental.
Muitos são os desafios específicos e contextuais. Perfilam-se no horizonte problemáticas inéditas até há poucos anos atrás, desde a difusão dos “casais de facto”, que não acedem ao matrimónio e o não tomam em consideração, até às uniões entre pessoas do mesmo sexo, às quais muitas vezes é permitida a adopção de filhos.
Numerosas são também as situações contextuais novas, que exigem especial atenção da parte da Igreja: - cultura do não-empenho; - pressupor a instabilidade do vínculo; - reformulação da própria ideia de família; - um difuso pluralismo relativista na concepção do matrimónio; e ainda - propostas legislativas que desvalorizam a permanência e a fidelidade do pacto matrimonial.
Estes desafios comportam sérias consequências pastorais. Basta pensar nos muitos jovens, nascidos de matrimónios irregulares, que nunca poderão ver os pais receber os Sacramentos. Compreende-se a urgência dos desafios que se põem à evangelização, na situação actual, difundida por toda a parte da “aldeia global”.
Tudo isto faz advertir como um dever urgente da caridade dos Pastores em relação aos que lhe são confiados e a toda a família humana enfrentar estas questões prementes. A vastidão deste empenho, a urgência dos temas e a intensidade das expectativas levam a pedir a oração de todos para o percurso empreendido, juntamente com a humildade, o empenho generoso e a confiança em Deus de quem contribuirá para o Sínodo, para que o Espírito ilumine o trabalho colegial e o discernimento final e decisivo do Sucessor de Pedro.