Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco volta a condenar a procura gananciosa do lucro a qualquer custo, que torna as pessoas objectos descartáveis.
Não existe paz sem fraternidade e a fraternidade aprende-se no seio da família, considera o Papa Francisco. Na sua primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz, que se celebra a 1 de Janeiro, o Papa começa por fazer uma defesa da família natural, encabeçada por um pai e uma mãe.
“Convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.”
Nestas palavras subentende-se, embora não esteja explícito, uma crítica às políticas que têm procurado redefinir o conceito de família, como por exemplo os casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a adopção por homossexuais, mas também o aumento do fenómeno das famílias monoparentais.
Entre as várias ameaças à paz nos tempos correntes, o Papa identifica as guerras em si, sem falar de nenhum conflito em concreto, do tráfego de seres humanos, da corrupção, da destruição da natureza, do abuso de drogas e do crime organizado, mas dedica também bastantes parágrafos ao sistema económico, dando seguimento a críticas que tem feito ao longo do seu pontificado.
Nesta mensagem o Papa faz questão de citar os seus antecessores, mostrando assim que estas críticas estão em linha com o ensinamento dos Papas e da Igreja. “A paz, afirma João Paulo II, é um bem indivisível: ou é bem de todos, ou não o é de ninguém. Na realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável, se estiver viva, em todos, ‘a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum’. Isto implica não deixar-se guiar pela ‘avidez do lucro’ e pela ‘sede do poder’. É preciso estar pronto a ‘perder-se’ em benefício do próximo em vez de o explorar, e a ‘servi-lo’ em vez de o oprimir para proveito próprio.
“O ‘outro’ – pessoa, povo ou nação – [não deve ser visto] como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim como um nosso ‘semelhante’, um ‘auxílio’”, refere Francisco, citando novamente uma encíclica de João Paulo II.
Por fim, o Papa identifica como outra fonte de pobreza a degradação das relações humanas, sobretudo nas sociedades em que não existe tanta pobreza material: “Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas”.
Fraternidade derivada de uma paternidade comum
A mensagem de Francisco não se fica por considerações gerais, apelando a políticas concretas para melhorar a situação, nomeadamente: “Políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos ‘capitais’, aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projecto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa. Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento.”
Mas tanto neste campo como no da violência pelas armas, não bastam leis e acordos, diz o Papa. “Os acordos internacionais e as leis nacionais por si sós não bastam para preservar a humanidade do risco de conflitos armados. É precisa uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para todos.”
Esta conversão implica o reconhecimento do valor da fraternidade, em todas as áreas da vida e das relações sociais, nomeadamente uma fraternidade assente no reconhecimento de uma paternidade comum: “Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens. Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha activa.”