Perante cerca de 600 mil pessoas, o Papa Francisco afirmou esta segunda-feira, no Equador, que "a família constitui a grande 'riqueza social', que outras instituições não podem substituir".
Na primeira missa pública celebrada pelo Papa Francisco na sua segunda viagem à América do Sul, o Papa dedicou a homilia à questão da família.
A meses do começo do Sínodo Ordinário da Família, que se realiza em Outubro, Francisco teceu grandes elogios à instituição familiar e pediu orações pelo evento para que consiga "encontrar soluções e ajudas concretas para as inúmeras dificuldades e importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos dias".
Para o Papa, a família é a principal célula da sociedade e o seu enfraquecimento prejudica o bem-estar social. "A família é o hospital mais próximo - quando estamos doentes é lá que nos tratam -, a primeira escola das crianças, o grupo de referência imprescindível para os jovens, o melhor asilo para os idosos", disse durante a sua homilia.
"A família constitui a grande 'riqueza social', que outras instituições não podem substituir, devendo ser ajudada e reforçada para não perder jamais o justo sentido dos serviços que a sociedade presta aos cidadãos. Com efeito, estes não são uma espécie de esmola, mas uma verdadeira 'dívida social' para com a instituição familiar, que é a base que tanto contribui para o bem comum de todos", realçou.
O Papa aproveitou ainda para fazer um desvio do texto oficial e contar uma história da sua juventude. Ao dizer que nas famílias ninguém é descartado, recordou que uma vez perguntaram à sua mãe de qual dos cinco filhos mais gostava, ao que ela respondeu que era como os dedos da mão, e que se lhe beliscassem um doía tanto como se beliscassem outro. "A mãe ama os seus filhos como são e os irmãos amam-se como são", sublinhou Francisco.
O "vinho" que falta às famílias
A passagem do Evangelho que serviu de base para esta reflexão foi das bodas de Caná. Nessa passagem, Maria repara que falta o vinho num casamento, pedindo a Jesus que intervenha para ajudar. Cristo começa por dizer que não chegou a sua hora, mas depois manda os criados recolher as talhas de água que serviam para a purificação e transforma-as em vinho da melhor qualidade.
O Papa começou a sua homilia deixando claro o que é o significado de vinho neste contexto. "O vinho é sinal de alegria, de amor, de abundância", disse.
Logo de seguida, enumerou as várias situações em que este "vinho" falta às famílias: "Quantos dos nossos adolescentes e jovens percebem que, em suas casas, há muito que não existe nenhum! Quantas mulheres, sozinhas e tristes, se interrogam quando foi embora o amor, quando se diluiu da sua vida! Quantos idosos se sentem deixados fora da festa das suas famílias, abandonados num canto e já sem beber do amor diário. A falta de vinho pode ser efeito também da falta de trabalho, de doenças, de situações problemáticas que as nossas famílias atravessam."
Francisco diz ainda que naquela situação a atenção e o cuidado de Nossa Senhora pelo bem-estar dos outros conduz ao "apressar" da hora de Jesus, fazendo a recomendação de que os fiéis não deixem de rezar pelas suas necessidades e dos outros.
"Rezar sempre nos arranca do perímetro das nossas preocupações, fazendo-nos transcender aquilo que nos magoa, agita ou falta a nós mesmos para nos colocarmos na pele dos outros, calçarmos os seus sapatos. A família é uma escola onde a oração também nos lembra que há um nós, que há um próximo vizinho, patente: vive sob o mesmo tecto, compartilha a vida e está necessitado."
No seu apelo às orações pelo sínodo, o Papa voltou a recorrer à imagem da transformação dá água em vinho. "Na família, os milagres fazem-se com o que há, com o que somos, com aquilo que a pessoa tem à mão. Muitas vezes não é o ideal, não é o que sonhamos, nem o que 'deveria ser'. O vinho novo das bodas de Caná nasce das talhas de purificação, isto é, do lugar onde todos tinham deixado o seu pecado."
Francisco pede então a intensificação da oração pelo sínodo. "Para que, mesmo aquilo que nos pareça impuro, como as talhas de água, que nos escandalize ou espante, Deus – fazendo-o passar pela sua 'hora' – possa milagrosamente transformá-lo. A família hoje precisa deste milagre."
"O melhor vinho ainda não veio"
No final da homilia, o Papa deixou uma mensagem de esperança, recordando que, tal como os convidados nas bodas de Caná provaram o melhor vinho no fim, assim também será com quem tem fé.
"Esta é a boa nova: o melhor dos vinhos ainda não foi bebido, o mais gracioso, profundo e belo para a família ainda não chegou", declarou.
"O melhor dos vinhos ainda não veio para cada pessoa que aposta no amor - na família há que apostar no amor! E ainda não veio, mesmo que todas as variáveis e estatísticas digam o contrário; o melhor vinho ainda não chegou para aqueles que hoje vêem desmoronar-se tudo. Murmurai até acreditá-lo: o melhor vinho ainda não veio; e sussurrai-o aos desesperados ou que desistiram do amor."
"Deus sempre Se aproxima das periferias de quantos ficaram sem vinho, daqueles que só têm desânimos para beber; Jesus sente-Se inclinado a desperdiçar o melhor dos vinhos com aqueles que, por uma razão ou outra, sentem que já se lhes romperam todas as talhas", concluiu Francisco.
Esta primeira missa campal foi marcada por um calor intenso que levou a vários desmaios.
A viagem do Papa prossegue com um almoço numa residência de jesuítas. Depois segue para o aeroporto para fazer a viagem de volta a Quito, capital do Equador. Ainda esta noite, madrugada em Portugal, Francisco fará um discurso na catedral de Quito.