O Papa propõe na sua nova exortação apostólica sobre a família um caminho de “discernimento” para os católicos divorciados que voltaram a casar civilmente, sublinhando que não existe uma solução única para estas situações.
“Não se devia esperar do Sínodo ou desta exortação uma nova normativa geral de tipo canónico, aplicável a todos os casos”, sublinha Francisco, no documento divulgado hoje, com o título ‘Amoris laetitia’ (A Alegria do Amor).
Tal como aconteceu com o relatório final da assembleia de Outubro de 2015, a exortação apostólica pós-sinodal não aborda directamente a possibilidade de acesso à Comunhão pelos divorciados recasados, que é negada pela Igreja Católica, mas numa das notas do texto, o Papa observa que "o discernimento pode reconhecer que, numa situação particular, não há culpa grave".
“Ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho”, escreve Francisco.
O Papa apresenta critérios de reflexão, recordando que há “condicionamentos” e “circunstâncias atenuantes” que podem anular ou diminuir a responsabilidade de uma acção.
“Por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal”, precisa.
Estas pessoas, reforça, precisam da "ajuda da Igreja", procurando os "caminhos possíveis de resposta a Deus", e "em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos".
O texto apela a um “responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares”, reconhecendo que há situações em que “a separação é inevitável” e, por vezes, “até moralmente necessária”.
“Acompanhar”, “discernir” e “integrar” são as indicações centrais do Papa nesta matéria, integradas numa “lógica da misericórdia pastoral”.
“Temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição”, assinala Francisco.
A exortação apostólica com as conclusões do Sínodo da Família, que decorreu em duas sessões (2014 e 2015), fala na necessidade de um “adequado discernimento pessoal e pastoral”, recordando que “o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos”.
“Um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas”, adverte o Papa.
Francisco considera mesmo que seria “mesquinho” limitar-se a considerar “se o agir de uma pessoa corresponde ou não a uma lei ou norma geral”.
O Papa rejeita a ideia de que este “discernimento prático” coloque em causa a doutrina da Igreja e recorda que a reflexão sobre uma situação particular “não pode ser elevada à categoria de norma”.
O texto refere que é missão dos padres “acompanhar as pessoas no caminho do discernimento segundo o ensinamento da Igreja e as orientações do bispo”, apelando a um “exame de consciência” das pessoas em causa sobre a forma como trataram os seus filhos ou como viveram a “crise conjugal”.
Francisco sublinha ainda a importância da recente reforma dos procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial.
O pontífice observa que os divorciados que vivem numa nova união se podem encontrar em situações “muito diferentes”, que não devem ser “catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas”.
“Não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e amadurecer como membros vivos da Igreja”, realça.
Para o Papa, mais importante do que uma “pastoral dos falhanços” é o esforço de “consolidar os matrimónios e assim evitar as rupturas”.
A exortação pós-sinodal coloca os filhos como “primeira preocupação” para quem se separou, com atenção ao seu sofrimento.
“O divórcio é um mal, e é muito preocupante o aumento do número de divórcios”, lamenta o Papa.
Os temas da família estiveram no centro de duas assembleias do Sínodo dos Bispos, em Outubro de 2014 e 2015, por decisão do Papa Francisco, antecedidas por inquéritos enviados às dioceses católicas de todo o mundo.