Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Amados irmãos e irmãs em Cristo!
«Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). Estas palavras enchem-nos de alegria e de esperança, enquanto aguardamos o cumprimento das promessas de Deus. Motivo de particular alegria para mim, hoje, é poder como Sucessor do Apóstolo Pedro celebrar esta Missa convosco, meus irmãos e irmãs em Cristo vindos das várias regiões de Angola, de São Tomé e Príncipe e de muitos outros países. Com grande afecto no Senhor, saúdo as comunidades católicas de Luanda, Bengo, Cabinda, Benguela, Huambo, Huíla, Kuando Kubango, Kunene, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Namibe, Moxico, Uíje e Zaire.
De modo particular saúdo os meus Irmãos no Episcopado, os membros da Associação Inter-regional dos Bispos da África Austral reunidos à volta deste altar do Sacrifício do Senhor. Agradeço ao Presidente da CEAST, Dom Damião Franklin, as suas amáveis palavras de boas-vindas e, na pessoa dos respectivos Pastores, saúdo todos os fiéis do Botswana, Lesoto, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia e Zimbabue.
A primeira leitura de hoje ecoa com uma ressonância particular no coração do Povo de Deus em Angola. É uma mensagem de esperança dirigida ao Povo eleito exilado longe do seu país, um convite para regressar a Jerusalém e reconstruir o templo do Senhor. A expressiva descrição da destruição e da ruína causadas pela guerra reflecte a experiência pessoal de tantas pessoas neste país a braços com as consequências terríveis da guerra civil. É bem verdade que a guerra pode destruir tudo o que tem valor (cf. 2 Cr 36, 19): famílias, comunidades inteiras, o fruto das canseiras humanas, as esperanças que guiam e sustentam a sua vida e o seu trabalho. Trata-se, infelizmente, de uma experiência demasiado familiar a toda a África: a força destrutiva da guerra civil, a queda na voragem do ódio e da vingança, a delapidação dos esforços de gerações de gente boa. Quando a Palavra do Senhor – uma Palavra que visa a edificação dos indivíduos, das comunidades e da família humana inteira – é transcurada e a lei de Deus é ridicularizada, desprezada e achincalhada (cf. 2 Cr 36, 16), o resultado só pode ser destruição e injustiça: a humilhação da nossa humanidade comum e a traição da nossa vocação de filhos e filhas do Pai misericordioso, irmãos e irmãs do seu dilecto Filho.
Confortemo-nos, pois, com as palavras consoladoras que ouvimos na primeira leitura! O apelo a voltar e a reconstruir o templo de Deus tem um significado particular para cada um de nós. São Paulo, de quem celebramos o bimilenário do nascimento este ano, diz que «nós somos o templo do Deus vivo» (2 Cor 6, 16). Como sabemos, Deus habita nos corações de todas as pessoas que, tendo posto a sua confiança em Cristo, renasceram no Baptismo e tornaram-se templos do Espírito Santo. E agora, na unidade do Corpo de Cristo que é a Igreja, Deus chama-nos a reconhecer o poder da sua presença em nós, a acolher o dom do seu amor e do seu perdão e a ser mensageiros deste amor misericordioso no meio das nossas famílias e comunidades, na escola e no lugar de trabalho, em todo o sector da vida social e política.
Aqui, em Angola, este Domingo está reservado como dia de oração e sacrifício pela reconciliação nacional. O Evangelho ensina-nos que a reconciliação – uma verdadeira reconciliação – só pode ser fruto de uma conversão, de uma mudança do coração, de um novo modo de pensar. Ensina-nos que só a força do amor de Deus pode mudar os nossos corações e fazer-nos triunfar sobre o poder do pecado e da divisão. Quando estávamos «mortos pelos nossos pecados» (cf. Ef 2, 5), o seu amor e a sua misericórdia deram-nos a reconciliação e a vida nova em Cristo. Tal é o núcleo da doutrina do Apóstolo Paulo, sendo importante para nós trazer à memória que só a graça de Deus pode criar um coração novo em nós. Só o seu amor pode mudar o nosso «coração de pedra» (Ez 11, 19) e tornar-nos capazes de construir antes que demolir. Só Deus pode fazer novas todas as coisas.
Vim à África precisamente para proclamar esta mensagem de perdão, de esperança e de uma nova vida em Cristo. Há três dias, em Yaoundé, tive a alegria de tornar público o Instrumentum laboris da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, que será dedicada ao tema: A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz. Hoje peço-vos para rezardes, em união com todos os nossos irmãos e irmãs da África inteira, por esta intenção: para que cada cristão deste grande continente experimente o toque salutar do amor misericordioso de Deus e a Igreja em África se torne «lugar de autêntica reconciliação para todos, graças ao testemunho dado pelos seus filhos e filhas» (Ecclesia in Africa, 79).
Queridos amigos, esta é a mensagem que o Papa vos traz, para vós e vossos filhos. Recebestes a força do Espírito Santo para ser construtores de um futuro melhor para o vosso amado país. No baptismo, foi-vos concedido o Espírito para serdes arautos do Reino de Deus, Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz (cf. Missal Romano, Prefácio de Cristo Rei). No dia do vosso baptismo, recebestes a luz de Cristo. Sede fiéis a este dom, certos de que o Evangelho pode revigorar, purificar e nobilitar os profundos valores humanos da vossa cultura originária e das vossas tradições: famílias solidárias, profundo sentido religioso, celebração festiva do dom da vida, apreço pela sabedoria dos mais velhos e pelas aspirações do jovens. Além disso, sede agradecidos pela luz de Cristo! Mostrai-vos reconhecidos com aqueles que vo-la trouxeram: gerações e gerações de missionários que tanto contribuíram, e contribuem, para o desenvolvimento humano e espiritual deste país. Senti-vos agradecidos pelo testemunho de tantos pais e professores cristãos, de catequistas, presbíteros, religiosas e religiosos, que sacrificaram a sua vida pessoal para vos transmitir este tesouro precioso. E abraçai o desafio que vos coloca este grande património. Reparai que a Igreja em Angola e na África inteira está destinada a ser, perante o mundo, um sinal daquela unidade a que é chamada toda a família humana mediante a fé em Cristo Redentor.
No Evangelho de hoje, há palavras pronunciadas por Jesus que causam uma certa impressão: diz-nos Ele que a sentença de Deus sobre o mundo já foi pronunciada (cf. Jo 3, 19ss). A luz já veio ao mundo; mas os homens preferiram as trevas à luz, porque as suas obras eram más. Oh como são grandes as trevas em tantas partes do mundo! E as nuvens do mal obscureceram tragicamente também a África, incluindo esta amada nação angolana. Pensemos no flagelo da guerra, nos frutos terríveis do tribalismo e das rivalidades étnicas, na avidez que corrompe o coração do homem, reduz à escravidão os pobres e priva as gerações futuras dos recursos de que terão necessidade para criar uma sociedade mais solidária e justa: uma sociedade verdadeira e autenticamente africana no seu estro e nos seus valores. E que dizer daquele insidioso espírito de egoísmo que fecha os indivíduos em si mesmos, divide as famílias e, espezinhando os grandes ideais de generosidade e abnegação, conduz inevitavelmente ao hedonismo, à fuga para falsas utopias através do uso da droga, à irresponsabilidade sexual, ao enfraquecimento do vínculo matrimonial, à destruição das famílias e à eliminação de vidas humanas inocentes por meio do aborto?
Mas a palavra de Deus é uma palavra de esperança sem limites. «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, (…) para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 16.17). Deus nunca nos considera um caso perdido. Continua a convidar-nos para erguermos os olhos para um futuro de esperança, e promete-nos a força para o realizar. Como diz São Paulo na segunda leitura de hoje, Deus criou-nos em Cristo Jesus para levarmos uma vida justa, uma vida em que pratiquemos boas obras segundo a sua vontade (cf. Ef 2, 10). Deu-nos os seus mandamentos, não como um fardo, mas como fonte de liberdade: liberdade de nos tornarmos homens e mulheres cheios de sabedoria, mestres de justiça e de paz, pessoas que têm confiança nos outros e procuram o seu verdadeiro bem. Deus criou-nos para vivermos na luz e sermos luz para o mundo em redor. Assim no-lo diz Jesus, no Evangelho de hoje: «Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus» (Jo 3, 21).
«Praticai, pois, a verdade». Irradiai a luz da fé, da esperança e do amor nas vossas famílias e comunidades. Sede testemunhas da verdade santa que torna livres homens e mulheres. Vós sabeis, por amarga experiência, que o trabalho de reconstrução – ao contrário da repentina fúria devastadora do mal – é penosamente lento e duro. Requer tempo, fadiga e perseverança: deve começar nos nossos corações, nos pequenos sacrifícios quotidianos necessários para sermos fiéis à lei de Deus, nos pequenos gestos pelos quais demonstramos de amar os nossos vizinhos – os nossos vizinhos todos sem olhar a raça, etnia ou língua – com a disponibilidade de colaborar com eles para construir, juntos, sobre bases duradouras. Fazei com que as vossas paróquias se tornem comunidades onde a luz da verdade de Deus e a força do amor reconciliador de Cristo não sejam apenas celebradas, mas manifestadas em obras concretas de caridade. E não tenhais medo! Ainda que isto signifique ser um «sinal de contradição» (Lc 2, 34) face a comportamentos duros e a uma mentalidade que vê os outros mais como instrumentos a usar do que como irmãos e irmãs a amar, respeitar e ajudar ao longo do caminho da liberdade, da vida e da esperança.
Permiti-me concluir com uma palavra dirigida particularmente aos jovens angolanos e a todos os jovens da África. Queridos jovens amigos, vós sois a esperança do futuro do vosso país, a promessa de um amanhã melhor. Começai, desde hoje, a crescer na vossa amizade com Jesus, que é «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14, 6): uma amizade nutrida e aprofundada através da oração humilde e perseverante. Procurai conhecer a vontade de Deus a vosso respeito, ouvindo diariamente a sua palavra e permitindo à sua lei de modelar a vossa vida e as vossas relações. Deste modo, tornar-vos-eis profetas sábios e generosos do amor salvífico de Deus; tornar-vos-eis evangelizadores dos vossos próprios colegas, levando-os por meio do vosso exemplo pessoal a apreciar a beleza e a verdade do Evangelho e a ter esperança num futuro plasmado pelos valores do Reino de Deus. A Igreja precisa do vosso testemunho. Não tenhais medo de responder generosamente ao chamamento que Deus vos faz para O servir quer como sacerdotes, religiosas ou religiosos, quer como pais cristãos ou em tantas outras formas de serviço que a Igreja vos propõe.
Amados irmãos e irmãs! No final da primeira leitura de hoje, Ciro, rei da Pérsia, inspirado por Deus, convida o povo eleito a regressar à sua amada pátria e reconstruir o Templo do Senhor. Que estas palavras inspiradas sejam um apelo a todo o Povo de Deus que vive em Angola e na África Austral: Coragem! Ponde-vos a caminho! (cf. 2 Cr 36, 23). Olhai o futuro com esperança, confiai nas promessas de Deus e vivei na sua verdade. Deste modo, construireis algo destinado a permanecer e deixareis às gerações futuras uma herança duradoura de reconciliação, justiça e paz. Amen.